terça-feira, 28 de novembro de 2017

Benedito Prezia


O filósofo Benedito Prezia atua nas questões indígenas desde 1983. A partir de 1992 começou a lecionar sobre a História de Resistência Indígena no Curso de formação básica do Cimi.
Em 2001 foi um dos fundadores do Programa Pindorama para indígenas na PUC-SP.
Escreveu várias obras paradidáticas sobre a temática indígena, como Terra à vista, descobrimento ou invasão?
Em 2017 lança pela editora Expressão Popular a obra: HISTÓRIA DA RESISTÊNCIA  INDÍGENA - 500 ANOS DE LUTA. Sobre ela o autor nos concedeu a seguinte entrevista:



                                                                                         Foto: Divulgação

Tecendo em Reverso- Como nasceu a ideia e concepção da pesquisa que deu origem ao livro “HISTÓRIA DA RESISTÊNCIA INDÍGENA - 500 ANOS DE LUTA”?


BENEDITO PREZIA – Em 1986, a pedido do Conselho Indigenista Missionário-Cimi onde trabalhava, surgiu o projeto de se fazer um resgate da História do Brasil na perspectiva indígena. Assim iniciamos o Suplemento Cultural do jornal Porantim, e por dois anos publicamos muitos episódios da luta indígena, como encarte do jornal. Um ano depois participei de outro projeto mais amplo, que era escrever um livro com esse mesmo enfoque. Assim surgiu, em 1989, o livro Essa Terra Tinha Dono (FTD), em parceria com a Cehila Popular-Comissão de História da Igreja da América Latina. Entrei nessa obra como coautor, assumindo a parte etnográfica e Eduardo Hoornaert, um historiador, escreveu a parte histórica. Era uma tentativa mais consistente de mostrar a história do Brasil na perspectiva indígena. Em 2000, por ocasião dos 500 anos de Brasil, foi publicado pela mesma editora uma nova versão, intitulada Brasil Indígena, 500 anos de resistência. Apesar de não aprofundarmos muito nos temas, pois eram obras para o Fundamental II, na época, foram obras de referência. Mas sempre tinha uma vontade de retomar essa história, enfocando as lutas indígenas e não os massacres e o genocídio.  Dessa forma, propus ao jornal Porantim que fossem publicados episódios de resistência, em textos curtos e num formato jornalístico. Havia me inspirado em Eduardo Galeano, o grande escritor uruguaio, autor de Memórias de Fogo, que traz episódios com igual formato. Ao longo de nove anos resgatei episódios históricos de luta e resistência que perpassaram toda a história do Brasil. Com o tempo, achei que esses textos poderiam formar um livro e eis que saiu a presente obra.


Tecendo em Reverso – A história oficial apresentada nas escolas por uma ótica muito específica e marcadamente ideológica nos livros didáticos tem apresentado a “conquista” da América sob a égide dos vencedores, e muito pouco tem se debatido o banho de sangue e, consequente extermínio do povo indígena. Como você trata esta questão no seu livro?


BENEDITO PREZIA – A História sempre foi escrita pelos vencedores e uma mudança de foco ocorrerá quando a sociedade brasileira mudar também. Foi para contribuir com essa mudança que escrevi este livro. Percebi que quando o indígena aparece na História ou é de modo tangente, um acessório – sem nome e sem passado –, ou em massacres e mortes. Diz-se que o indígena aparece na TV somente quando há sangue. Mesmo assim é mais focada a violência do indígena, que reage, e não a violência dos donos do poder. Privilegiei episódios em que os indígenas são protagonistas e não apenas vítimas. Ainda há muito que se pesquisar e muito a escrever. Creio que, com o tempo, poderá sair um segundo volume, pois as lutas são muitas e a resistência aparece de várias maneiras.


Tecendo em Reverso- Na sua obra fica clara a participação dos padres nas chacinas indígenas. De que maneira a presença jesuítica no Brasil induz através da religião o processo do que podemos chamar aqui superficialmente de “aculturação”, extrapolando para a dizimação de tribos inteiras?


BENEDITO PREZIA – Os padres, especialmente os jesuítas tem um papel grande na história indígena, pois o rei de Portugal confiou-lhes a chamada “civilização”. Isso fazia parte do processo de conquista. Infelizmente em séculos anteriores, a Igreja católica ainda não tinha “se convertido” e feito uma autocrítica sobre a prática catequética. O que ocorreu devido a essa ação missionária, pode ser classificado  como etnocídio, isto é, a destruição de uma cultura. Mesmo assim foram os jesuítas – não todos – os que mais defenderam os indígenas nos três séculos de conquista colonial. Por isso foram expulsos várias vezes – do Pará, Maranhão e São Paulo –, sendo definitivamente expulsos do Brasil em 1759. No Paraguai os Guaranis defenderam com armas na mão as missões, pois se sentiam participantes daquela experiência de colônia. Entretanto foi o único momento em que os indígenas, de forma grupal, tomaram a defesa dos padres. O fim foi igual: destruição da missão e expulsão dos missionários. A Igreja católica só mudou sua prática missionária após o Concílio Ecumênico Vaticano II, nos anos de 1960, quando ocorreu a fundação  do Conselho Indigenista Missionário-Cimi, que apresentou outra maneira de estar com os indígenas, lutando pela terra e pela preservação da cultura.

                                                                                     Foto: Divulgação

Tecendo em Reverso – Há muito vem se destacando e heroicizando no Brasil a figura dos bandeirantes num claro processo de desconhecimento histórico. Ao seu ver qual foi o papel real de Raposo Tavares na ofensiva em relação aos povos indígenas?


BENEDITO PREZIA – No Brasil critica-se muito a ação da Igreja católica, mas pouco se fala da ação destruidora de um grupo de paulistas, chamados de bandeirantes. Não só foram poupados pela História brasileira, mas tornaram-se heróis em São Paulo. Basta ver o nome das rodovias paulistas, através das quais se descobrem as rotas usadas nas expedições escravistas. Para homenagear a todos, o governo de São Paulo denominou uma das principais rodovias de Bandeirantes e designou o palácio oficial com o nome desses traficantes de escravos. É uma ofensa à memória de tantos indígenas escravizados e mortos ao longo de 300 anos. Só agora, graças às redes sociais – e não à escola –, a juventude paulistana está sendo bem crítica neste ponto e basta ver as manifestações em apoio aos Guaranis ocorridas nesses últimos dois anos, com pichação de vermelho no monumento às Bandeiras.


Tecendo em Reverso – Na sua obra você destaca nomes importantes no movimento de resistência indígena no Brasil como: Ângelo Kretã, Marçal Guarani, Maria Tatatxi, entre outros. Como você vê a luta indígena neste momento infeliz pelo qual passamos hoje no Brasil? Como atuam os movimentos contemporâneos?



BENEDITO PREZIA – A história de resistência continuou no século XX, sobretudo na época da ditadura militar, onde aparecem os nomes citados acima. Já com apoio do Cimi, os indígenas começaram a realizar suas assembleias e a ter projetos mais autônomos, que resultou nos avanços encontrados na Constituição de 1988. É uma história de sangue, pois muitas lideranças morreram, mas sua morte serviu de exemplo de luta para as gerações mais jovens. Hoje a situação dos indígenas está muito frágil, devido à política do atual governo que é formado por uma grande base de parlamentares ligados ao agronegócio. O mais triste é ver o desmonte da Funai, quando os indígenas veem um militar na presidência do órgão e a perda de muitas conquistas obtidas com anos de luta. Mas esses povos estão acostumados a resistir. Por isso terminei o livro com uma frase, de uma faixa que havia das manifestações por ocasião dos 500 anos de Brasil: Reduzidos sim, vencidos nunca.

4 comentários:

  1. Parabéns Juliana pela excelente entrevista. A posição do Benedito Prezia é de ação e registro das lutas históricas dos povos indígenas

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  2. Parabéns Juliana pela belíssima entrevista. Benedito Prezia é um grande historiador e defensor atuante dos povos indígenas. Precisamos dar mais a conhecer esse lado da história, dos conquistados, da resistência, sofrimento e luta diária de um povo despejado de sus terras pela ambição e a cobiça dos conquistadores. A leitura "Reduzidos sim, vencidos nunca", à qual se refere Prezia, deveria tocar-nos como uma forma de consanguinidade, uma identidade comum, deveríamos nos identificarmos concretamente com história e cultura do verdadeiro povo brasileiro, no sentido de sermos e nos sentirmos brasileiros todos, afastar sentimentos de inferioridade e baixa autoestima que nos separa da verdadeira identidade cultural brasileira.

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