quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Luiz Bernardo Pericás

Aproximando a historiografia do Marxismo, Caio Prado Júnior (1907-1990) encontrou no Brasil colonial muitas respostas para que viéssemos a entender a contemporaneidade.
Em Formação do Brasil Contemporâneo escreveria: “As devassas da justiça colonial, que os acontecimentos políticos tornam frequentes desde fins do século XVIII, desvendam-nos os segredos das principais bibliotecas particulares que então havia na colônia, e que, sequestradas e arroladas, chegaram até nós nas páginas amarelecidas e roídas de traça dos autos. A literatura francesa, e só ela no que diz respeito a filósofos, moralistas, políticos, está aí abundantemente representada”.
Considerado um dos maiores intérpretes do Brasil, Caio Prado Júnior teve sua “biografia política” recentemente escrita por Luiz Bernardo Pericás.
Luiz Bernardo Pericás é formado em História pela George Washington University, doutor em História Econômica pela USP, pós-doutorado em Ciência Política pela FLACSO (México), onde foi professor convidado e pelo IEB/USP. Foi também Visiting Scholar na University of Texas at Austin e Visiting Fellow na Australian National University, em Camberra. É autor de vários livros, como Mystery Train (São Paulo, Brasiliense, 2007) e do romance Cansaço, a longa estação (São Paulo, Boitempo, 2012; adaptado recentemente para o teatro pelo diretor uruguaio Hugo Rodas; a peça, intitulada Punaré e Baraúna, ganhou quatro prêmios Sesc), entre outros. Recebeu a menção honrosa do Prêmio Casa de las Américas em 2012 por seu livro: Os cangaceiros: ensaio de interpretação histórica (São Paulo, Boitempo, 2010; Havana Editorial Ciencias Sociales, 2014). Ganhador do Prêmio Ezequiel Martínez Estrada, da Casa de las Américas (2014), pelo livro Che Guevara y el debate económico en Cuba (Nova Iorque, Atropos Press, 2009; Buenos Aires, Corregidor, 2011; Havana, Fondo Editorial Casa de las Américas, 2014). Traduziu obras de Slavoj Zizek, James Petras, Christopher Hitchens, Jack London, John Reed e José Carlos Mariátegui. Seus trabalhos foram publicados em diferentes países, como Argentina, Perú, Itália, Espanha, México, Estados Unidos e Cuba. Seu livro mais recente é Caio Prado Júnior: uma biografia política lançado pela Boitempo Editorial em 2016, com o qual ganhou o Prêmio Juca Pato de intelectural do ano, concedido pela União brasileira de Escritores (UBE). É professor de História Contemporânea da Universidade de São Paulo.
     
Conversamos com o pesquisador sobre Caio Prado Júnior: uma biografia política.

Confiram:


                                                                                        Fonte: Arquivo pessoal do pesquisador.



Tecendo em Reverso: O denominado “breve século XX” deu ao mundo alguns pensadores lúcidos, dentre eles: Caio Prado Júnior. Quais as motivações que o levaram a escrever esta biografia?

LUIZ BERNARDO PERICÁS – O Brasil vive um momento sombrio, especialmente após o golpe institucional de 2016.  Ao longo de todo o século XX nosso país viu gerações de intelectuais progressistas se esforçando para interpretar a realidade nacional e apontar os possíveis caminhos de desenvolvimento, a partir de um projeto popular, democrático, autônomo e, em última instância, socialista.  Homens como Nelson Werneck Sodré, Carlos Marighella, Florestan Fernandes, Ruy Mauro Marini e tantos outros (mesmo com posições políticas e militância bastante distintas) se dedicaram a estudar, debater e construir teorias para fazer avançar a “revolução brasileira”.  Alguns foram exilados, presos e até mesmo assassinados ao longo deste processo.  É preciso retomar as discussões sobre nosso passado, dar ênfase ao trabalho teórico e resgatar aqueles pensadores (assim como outros latino-americanos, como José Carlos Mariátegui, Carlos Baliño, Julio Antonio Mella e Che Guevara, por exemplo).  Nesse sentido, Caio Prado Júnior é um autor fundamental, sem dúvida um dos mais importantes historiadores brasileiros.  Estudar sua vida e obra (contextualizando sua atuação e mostrando o escopo de suas ideias) torna-se fundamental para entendermos quem somos hoje e o que podemos ser no futuro.  Há vários livros sérios sobre CPJ, de fato.  Ainda assim, percebi diversas lacunas biográficas, além de análises sobre suas posições que me pareciam distorcidas.  Muitos trabalhos sobre o historiador paulista não se baseavam em documentos e simplesmente repetiam informações e abordagens recorrentes.  Achei importante, portanto, construir meu texto a partir de um enorme acervo documental, depoimentos e vasta bibliografia.  Desta forma, teria condições de dar uma contribuição inovadora, original, que pudesse ir além do que outros autores haviam se proposto a realizar.  Além disso, há o aspecto pessoal.  Caio Prado Júnior era meu tio-bisavô.  Uma biografia política seria, por certo, uma bela homenagem a ele (sem contar com a possibilidade de utilizar um volume significativo de documentos, ainda inéditos, em acervos de família).  Isso tudo me daria condições de produzir um livro distinto da maioria disponível ao grande público.             


Tecendo em Reverso: As biografias modernas muitas vezes resvalam na apreciação dos comezinhos da personalidade. De que forma o aspecto “político” da biografia escrita por você expressa o posicionamento ideológico de Caio Prado Júnior?

LUIZ BERNARDO PERICÁS – De fato, evitei discutir a vida íntima ou aspectos “psicológicos” de Caio Prado Júnior.  Dentro das possibilidades, coloquei o foco nas relações dele com o PCB, seu diálogo com intelectuais marxistas contemporâneos, suas viagens a países como União Soviética, China e Cuba.  Ou seja, em grande medida, os vínculos de CPJ com o “mundo do socialismo”.  Esta era uma vertente que ainda precisava ser mais discutida, quase relegada a um segundo plano por outros autores que escreveram sobre o historiador paulista.  Mais uma vez, insisto, o objetivo era entender Caio Prado Júnior dentro da conjuntura política de seu tempo, suas leituras, suas experiências de vida, suas relações partidárias, seu tempo na prisão, suas amizades, seu exílio, para poder compreender, em seguida, suas elaborações teóricas.  As relações pessoais, íntimas, amorosas, não me pareceram tão pertinentes neste caso.  Nem os supostos traços de personalidade.  Em outras palavras, o livro pode ser visto como uma biografia de Caio Prado Júnior, mas também como uma “biografia” de toda uma época. 


Tecendo em Reverso: O seu livro traz as polêmicas entre Caio Prado e o PCB na década de 60 do século XX. Quais as ideias encampadas pelo pensador contrastantes com as orientações do “Partidão”?

LUIZ BERNARDO PERICÁS – Caio sempre esteve envolvido em polêmicas com o PCB, desde seu ingresso, no começo da década de 1930.  Seria criticado tanto por sua origem de classe como por suas ideias.  Em 1932, por exemplo, o Comitê Regional do partido em São Paulo chegou a acusá-lo de defender ideias trotskistas, de ter proximidade com militantes daquela tendência e de pensar em dar um “golpe de Estado” dentro da agremiação.  As ideias de CPJ também eram bastante distintas às defendidas pelo PCB em relação à interpretação da realidade brasileira.  Ou seja, em vários artigos e livros (culminando em seu A revolução brasileira, de 1966), o historiador se mostraria crítico à concepção de que existiria uma “burguesia nacional anti-imperialista”; atacaria o “reboquismo” pecebista em relação a alguns governos; e não admitiria as teses sobre a existência do “feudalismo” ou “resquícios feudais” na estrutura agrária brasileira.  Ainda assim, permaneceu no partido até o fim da vida.  Foi deputado estadual pelo PCB (defendendo seu programa na tribuna), tinha vários amigos dentro da agremiação e foi, como o resto do partido, um defensor e admirador da União Soviética em diferentes momentos, inclusive apoiando sua política de “coexistência pacífica”.  Vale lembrar que suas duas viagens para a URSS resultaram em livros extremamente favoráveis àquele país. 


                          Foto: Divulgação.



Tecendo em Reverso: Em Formação do Brasil Contemporâneo Caio Prado Júnior procura no Brasil Colonial as razões da formação da nação. Em que medida os pressupostos do pensador traçam a problemática da vida social brasileira?

LUIZ BERNARDO PERICÁS – Caio Prado Júnior fará uma análise pioneira e sofisticada da nossa realidade.  Mostrará o desenvolvimento econômico do país, a construção do Estado brasileiro e o papel do escravismo.  Mostrará as características da burguesia endógena, o papel do imperialismo em nosso território, os surtos de industrialização, a questão agrária, a necessidade de transição de nosso passado colonial para a construção da Nação, o papel que deve assumir o setor inorgânico de nossa economia, o processo da Colônia ao Brasil independente (passando pela monarquia e República Velha), indicando, finalmente, as características do capitalismo no país de sua época.  O sentido da colonização (tantas vezes discutido por ele) e a persistência de traços coloniais nas relações econômicas e sociais, são elementos fundamentais para entendermos a lógica de funcionamento do país e sua inserção no mercado internacional.  Em outras palavras, Caio Prado Júnior tratará de uma diversidade de temas entrelaçados, buscando compreender os fatores políticos e econômicos em nosso processo histórico e, portanto, traçando a problemática da vida nacional em seus diversos aspectos. 




terça-feira, 1 de agosto de 2017

Vera Lucia Martiniak

 Vera Lucia Martiniak é graduada em Comunicação Social pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (1993) e em Pedagogia pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (1998). Possui mestrado em Educação pela mesma Universidade (2003) com doutorado também em Educação pela Universidade Estadual de Campinas –UNICAMP. Atua como professora de Pós-Graduação na UEPG e é membro do grupo HISTEDBR.
Em sua pesquisa no pós-doc sob orientação do Prof.Dr. José Claudinei Lombardi na UNICAMP a pesquisadora debruçou-se sobre a temática das escolas étnicas na província do Paraná. Confiram:




                                                                          Foto: Arquivo pessoal da pesquisadora.


Tecendo em Reverso – Quais as demandas que a levaram a ter como objeto de pesquisa no pós-doc: “Trabalho, educação e imigração: Constituição das escolas étnicas na província do Paraná”?


VERA LUCIA MARTINIAK – Primeiramente, a intenção de pesquisa originou-se pela continuidade e aprofundamento das pesquisas desenvolvidas pelos pesquisadores do HISTEDBR – GT Campos Gerais, PR, que tem focado suas pesquisas nos últimos anos sobre a história das instituições escolares, nas quais têm convergido para alguns temas em comum, tais como: imigração, escravidão e educação pública. Para tanto, os pesquisadores têm utilizado diversas fontes para o desenvolvimento dos seus estudos, desde a imprensa até documentos oficiais e cartas pessoais.
A partir disso, por meio de análise da historiografia, tanto regional quanto nacional, apontou-se para a necessidade de investigar com mais profundidade a relação entre o trabalho livre e assalariado, a educação e a criação das escolas étnicas, subvencionadas e particulares, para atendimento da população imigrante. O Paraná recebeu um número significativo de imigrantes de diferentes etnias que se organizaram para se manterem na província, porém, essa temática ainda é pouco abordada nos estudos dos pesquisadores. Essa questão suscitou a inquietação em compreender os motivos que levaram a constituição das escolas étnicas na Província do Paraná a partir de novos parâmetros impostos pelo setor produtivo e a ausência do poder público para a criação e manutenção de instituições escolares para atendimento da população brasileira e imigrante. Diante da omissão do governo os imigrantes organizaram-se nas colônias para oferecer a instrução primária para seus filhos.
Muitas escolas criadas pelos imigrantes mantêm-se em funcionamento até os dias de hoje e são referência, histórica e educacional, para a sociedade brasileira.  
   


Tecendo em Reverso- Diante do caráter ideológico vigente à época delimitada por sua pesquisa. Como se deu a compreensão da institucionalização das escolas de imigrantes?


VERA LUCIA MARTINIAK – Os imigrantes, como em sua terra de origem, consideravam que as autoridades deveriam prover a população com a oferta de ensino público nos núcleos coloniais. Entretanto, diante do quadro educacional paranaense desanimador, eles criaram as suas próprias escolas, responsabilizandose pela instalação e manutenção, tanto do professor quanto da estrutura escolar. Cabe destacar ainda, que as escolas criadas pelos imigrantes atendiam também a população brasileira que residia próximo das colônias.


Tecendo em Reverso- O que caracterizou a inserção do imigrante europeu no sistema produtivo brasileiro?


VERA LUCIA MARTINIAK – A imigração europeia ocorreu devido a expropriação dos meios de produção dos trabalhadores na Europa e o consequente descontentamento da população que ocasionou a saída de grande parte da população para outras regiões do continente e do ultramar. Entretanto, muitos foram iludidos e enganados com falsas promessas e propagandas que prometiam terras, acesso à condições e bens materiais. Ao chegarem nas terras brasileiras não lhes restava outra alternativa que não fosse a venda de sua força de trabalho. Muitos precisaram submeter-se aos contratos de parceria com latifundiários que causaram endividamento ou ainda, aceitar o trabalho assalariado nos centros urbanos.
A necessidade do emprego da força de trabalho nas lavouras de café fez com que o Brasil se tornasse destino dos imigrantes europeus, porém, no Paraná, o processo de absorção desses imigrantes visou o abastecimento do mercado interno com a produção de gêneros de primeira necessidade. A vinda de imigrantes significou a diversificação de usos de instrumentos e técnicas na produção agrícola, com estímulo à economia para o mercado interno de gêneros alimentícios e também, como pano de fundo, o branqueamento da população brasileira.


Tecendo em Reverso – Como delineava-se ao final do século XVIII a situação educacional na província paranaense e de que forma este contexto influenciou as novas propostas?


VERA LUCIA MARTINIAK – Depois da emancipação da Comarca de São Paulo, a educação na Província do Paraná encontrava-se em estado precário. Até então, por ser uma extensão da economia paulista, a relação com a Comarca, devido à distância, era de descaso e negligência com as necessidades do interior. Apenas uma minoria da população frequentava os cursos de primeiras letras, o ensino secundário era praticamente inexistente e o pouco que havia em Curitiba atendia a demanda local e do interior da Província. A máquina administrativa recém constituída foi representada por homens que se dedicavam ao comércio, e um dos desafios dessa elite foi atrair os governados para sua administração. A instrução pública foi utilizada para chamar a atenção da população, pois além de o governo conquistar maior visibilidade por meio da educação, teria também mão-de-obra com melhor formação.
A situação educacional da província era extremamente difícil, pois, sofria com a ausência de professores e escolas, e essa carência preocupava as autoridades locais, pois a população crescia e necessitava de uma educação escolarizada. Existiam poucas unidades escolares, tanto no que se refere ao ensino de primeiras letras como ao ensino de nível secundário. Um outro aspecto que merece atenção diz respeito à infraestrutura desse ensino. Como as escolas não tinham prédios próprios para a realização das aulas, a solução encontrada foi mantê-las em casas alugadas pelo Estado.


Tecendo em Reverso- Na sua pesquisa lemos: “É perceptível o caráter elitista e discriminatório na educação brasileira, o ensino trazia resquícios da época de sua implantação, ou seja, era voltado para o atendimento da elite, sem nenhum compromisso com as classes populares, principalmente filhos de escravos e imigrantes”. De que forma esta perspectiva se desdobra na atualidade brasileira?



VERA LUCIA MARTINIAK – Do ponto de vista educacional, as políticas públicas implementadas no país tornam visível um processo dualista que se configura na exclusão da classe trabalhadora e no impedimento do acesso ao conhecimento necessário para a emancipação dos indivíduos. As políticas educacionais necessitam ser coerentes com uma educação pública e de qualidade e para tanto, a educação não deve ser utilizada, como vem acontecendo historicamente, para agravar e perpetuar uma sociedade de classes na qual o modo de produção material continua centralizado nas mãos de poucas pessoas.