quinta-feira, 20 de julho de 2017

Anita Leocadia Prestes

Em Curso do mundo o poeta alemão Heinrich Heine (1797-1856) escreveu:
Quem tem muito,logo,logo,
Muito mais vai ter ainda.
Quem tem pouco, até o pouco
Perde e fica na berlinda.
Contemporâneo de Karl Marx (1818-1883) o “último dos românticos” soube bem dissecar em sua poética o traço amargo característico dos exploradores.
Nesta mesma Alemanha nasceria em 1908 a futura líder comunista Olga Benario, posteriormente Olga Benario Prestes. A juventude na República de Weimar burilou seu senso de luta e a fez encampar a revolução proletária. Veio ao Brasil junto com o também comunista Luiz Carlos Prestes. Em 1936 foi extraditada para a Alemanha nazista, à época grávida.
Anita Leocadia Prestes (filha de Olga e Luiz Carlos) é graduada em Química Industrial na Escola Nacional de Química da antiga Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em 1966 recebeu o título de mestre em Química Orgânica.
Sua atuação política clandestina no Partido Comunista Brasileiro (PCB) fez com que a pesquisadora sofresse perseguição por parte do regime militar brasileiro. Assim sendo, exilou-se na extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) em 1973.
Em 1975 doutorou-se em Economia e Filosofia pelo Instituto de Ciências Sociais de Moscou.
Em 1979 volta ao Brasil. Anita durante muitos anos foi assessora de seu pai atuando nas lutas políticas.
Atualmente a pesquisadora é professora do programa de pós-graduação em História comparada na UFRJ.
Ao Tecendo em Reverso a autora falou sobre a temática do seu mais novo livro lançado pela Boitempo Editorial: Olga Benario Prestes: Uma comunista nos arquivos da Gestapo.



                                                                                                   
                                                                                                                                    Foto: Arquivo pessoal da pesquisadora.


Tecendo em Reverso – Desde o domínio pelos soviéticos dos dossiês da Gestapo em 1945 a comunidade acadêmica não tinha notícias de detalhes relevantes sobre a Alemanha nazista. Como se deu o processo de consulta destes documentos disponibilizados em 2015 para a escrita deste livro?

ANITA LEOCADIA PRESTES – Essa documentação atualmente está disponível na Internet, o que me permitiu consultá-la e, após sua tradução do alemão, trabalhar com ela, chegando a produzir o livro “Olga Benario Prestes: uma comunista nos arquivos da Gestapo” publicado recentemente pela editora Boitempo.

Tecendo em Reverso - Olga Benario foi uma jovem excepcional para sua época. De que forma sua atuação política fomentou a luta numa Alemanha tomada pela efervescência da República de Weimar?

ANITA LEOCADIA PRESTES – Olga Benario Prestes foi uma jovem que encarnou em grande medida os anseios da juventude trabalhadora da Alemanha nos anos 1920. Influenciada pelo ambiente revolucionário então presente nesse país, Olga tornou-se uma comunista atuante e disposta a dar a vida pela revolução socialista.

Tecendo em Reverso – Num momento politicamente complicado da história brasileira Olga Benario foi extraditada para a Alemanha de Hitler. Qual a sua análise hoje das justificativas políticas que desencadearam esta atitude nefasta por parte do governo brasileiro?

ANITA LEOCADIA PRESTES – Em 1936, após a derrota dos levantes antifascistas de novembro de 1935, o governo de Getúlio Vargas desencadeara violenta repressão contra todos os democratas e antifascistas, incluindo os comunistas. Meus pais, Luiz Carlos Prestes e Olga Benario Prestes, foram presos e, enquanto Prestes era mantido incomunicável no Rio de Janeiro, Olga foi extraditada para a Alemanha nazista no sétimo mês de gravidez, medida ilegal e que teve como objetivo principal submeter meu pai à tortura psicológica.

Tecendo em Reverso – A prisão de Olga desencadeou uma série de movimentos ancorados na luta pela libertação dela e, posteriormente pela sua também. De que forma este apelo internacional mobilizou as autoridades alemãs?

ANITA LEOCADIA PRESTES – Após a prisão dos meus pais, iniciou-se campanha internacional pela libertação dos presos políticos no Brasil, encabeçada por minha avó paterna Leocadia Prestes. Na medida em que Olga e Elise Ewert foram extraditadas para a Alemanha e, depois, deu-se o meu nascimento numa prisão de Berlim, a campanha se estendeu a nós. Sua importância foi enorme para melhorar as condições carcerárias tanto dos presos no Brasil quanto de Olga e Elise na Alemanha e, principalmente, para garantir a minha libertação quando tinha 14 meses de idade.

Tecendo em Reverso – Segundo algumas pesquisas o judiciário de Weimar mantinha características parciais em relação aos julgados. Para a elite todos os benefícios possíveis e para a classe trabalhadora e a esquerda todas as penas cabíveis com requinte de crueldade. Esta situação desdobra-se agora em vários países. Qual a sua avaliação sobre o judiciário brasileiro na atualidade? Quais as mudanças ocorridas da época de Olga até hoje?


ANITA LEOCADIA PRESTES – Quando Olga foi presa no Brasil e estava ameaçada de extradição para a Alemanha, o Supremo Tribunal Federal rejeitou o pedido de habeas-corpus impetrado pelo seu advogado. Penso que hoje o judiciário brasileiro não atua de maneira muito diferente do que naquela época, o que nos revela o perigo permanente do autoritarismo e das tendências fascistas presentes no mundo atual. 



                                                                               Foto: Divulgação