No dia 07 de abril de 1990 a Folha de São Paulo publicava em seu
caderno Letras a matéria: “Textos sobre o marxismo viram sucata nas
livrarias em São Paulo”. Em meio a frases como esta: “No Brasil,
intelectuais e editores ainda não se deram conta, mas desapareceu o grande
público para Marx” o artigo curiosamente também apontava o fato de Lênin ser à
época o autor marxista mais traduzido no mundo. Apresentado pela reportagem
como famoso, mas pouco lido, Karl Marx foi considerado no artigo como um “autor
difícil”.
Pouco tempo depois Ivana Jinkings fundaria em São Paulo a Boitempo
Editorial, proposta que começara com seu pai no Pará, o intelectual comunista
Raimundo Jinkings. A paraense
apropriou-se de uma herança marxista de bons livros para trazer ao
público brasileiro, não só acadêmico, mas também aos amantes do pensamento
crítico e dialético os grandes títulos
do marxismo mundial.
Como no poema de Drummond “De curva em curva” a Boitempo completou em 2016 os seus 20 anos.
Com nomes como : István Mészáros, José Paulo Netto, Ricardo Antunes, entre
outros, a editora erige-se hoje ao patamar dos grandes projetos editoriais da
esquerda brasileira.
O autor de Fausto já dizia na velha Alemanha que a poesia se deve
às circunstâncias. Entendendo texto como contexto a teoria de Marx atendeu às
exigências históricas de seu tempo e, também do nosso.Traduzir, editar e ler
esta obra está na pauta dos nossos dias.
Abaixo a entrevista com Ivana Jinkings:
Foto: Ricardo Stuckert
Tecendo em Reverso – A Boitempo tem se destacado no Brasil por ter
como alvo a publicação de livros marxistas. Sabe-se que infelizmente este nicho
ainda se restringe a um público mais acadêmico. Quais as propostas da editora
para popularizar a leitura marxiana?
IVANA
JINKINGS – Nós percebemos que a comunicação com o público é essencial no
processo de formação e ampliação do público-leitor e por isso investimos
fortemente em eventos, imprensa e redes sociais (a Boitempo é a editora
brasileira com o maior número de inscritos em canal próprio no YouTube) com o
intuito de levar a obra e o pensamento dos nossos autores para mais pessoas.
Isso é positivo não apenas para a editora, que acabou se consolidando como “a
casa do pensamento crítico”, mas também para o leitor, que ganha outros textos
e outras formas de acesso às obras e ao pensamento dos autores que publicamos,
já que as gravações e os textos produzidos nesses eventos são depois
disponibilizados no blog http://boitempoeditorial.wordpress.com. Muitos
deles estão entre os mais importantes escritores contemporâneos, nacionais e
internacionais. É o caso do britânico David Harvey, do cubano Leonardo Padura,
do esloveno Slavoj Zizek, do húngaro István Mészáros, e dos brasileiros Chico
de Oliveira, Leandro Konder, Maria Rita Kehl, Paulo Arantes, Raquel Rolnik e
Ruy Braga, entre muitos outros que hoje atraem multidões aos nossos eventos
(via de regra, gratuitos). Como forma de popularizar as obras de Marx e Engels
temos adotado também a prática de promoções periódicas e a participação em
feiras acadêmicas nas quais oferecemos os títulos com até 50% de desconto.
Outra via foi dispor os livros do nosso catálogo no formato digital, o que
permite uma diminuição significativa no preço de capa – os preços de nossos
títulos digitais passaram a custar até 65% menos do que a versão impressa, uma
redução acima da média brasileira em termos relativos e absolutos.
Tecendo em Reverso – As campanhas publicitárias de incentivo à
leitura no Brasil, bem como os livros são enviesados numa perspectiva mercadológica
e, muitas vezes imbecilizante em relação ao seu público alvo, ou seja, as
crianças. De que maneira a editora ao lançar o selo infantil Boitatá pretende
abordar um conteúdo literário progressista e engajado com a realidade?
IVANA JINKINGS – Já faz alguns anos que vivemos uma verdadeira
ebulição política e social no Brasil. Manifestações nas ruas tornaram-se comuns
recentemente, tanto de direita quanto de esquerda, e nós temos visto os
movimentos sociais cada vez mais organizados, clamando por cidadania, por um
maior espaço de participação política. Há um radicalismo no país e as crianças
não passam incólumes a isso. Elas veem política na TV, na internet, e querem
saber, querem entender, participar da discussão. Mas como explicar para uma
criança de oito anos como se organizam as eleições, o que é impeachment,
ditadura, corrupção etc.? Ou: o que é feminismo, o que são classes sociais?
Enfim, são esses conceitos básicos que a coleção Livros para o amanhã” procura
explicar, apostando na inteligência, no questionamento e no senso de justiça de
seus pequenos leitores. Neste ano estrearemos em ficção para crianças, com uma
autora espanhola e uma brasileira.
Ivana e os trabalhadores da Boitempo
Foto: Arquivo pessoal da editora.
Tecendo em Reverso – Na sua concepção quais foram as mudanças mais
significativas ocorridas desde a criação da editora no cenário político
brasileiro?
IVANA JINKINGS – A editora começou em 1995, com a publicação de um
texto inédito de Stendhal sobre Napoleão que revela seu lado “historiador
político”. A ideia inicial era publicar obras de indiscutível relevância que
fossem inéditas no Brasil ou até editadas, mas esquecidas e esgotadas há muito
tempo. Aos poucos a Boitempo foi se firmando como editora de livros de ciências
humanas, e a atuação no campo da ficção e de obras raras foi de certo modo “solapada”
pelas urgências teóricas do nosso tempo. Fizemos a opção por um catálogo de
fundo consistente - movimento contrário ao da maioria das editoras, que acabam
relegando seus próprios livros ao esquecimento por estarem sempre em busca de
um novo best-seller. O mercado não era tão concentrado há vinte anos, as
editoras estrangeiras e os grandes grupos não tinham ainda entrado no Brasil
como agora ocorre.
No cenário político, passamos pelos trágicos anos FHC, com
inflação e taxas de juros altíssimas; pelos dois mandatos de Lula, que
representaram relativos avanços na economia e inclusão social, com
crescimento econômico e redução da pobreza; e cá estamos no segundo mandato
Dilma, que ora corre sério risco de ser interrompido pelas forças políticas
mais retrógradas do país. Chamar o impeachment da presidente Dilma ou dar pouca
importância a ele é um diversionismo, as esquerdas precisam se posicionar
urgente e firmemente contra esse atentado à democracia. E somente depois pensar
numa pauta única contra o ajuste fiscal, contra a Agenda Brasil, a lei
antiterror, as terceirizações e todos os retrocessos propostos. Seria a melhor
resposta das forças populares à ofensiva da direita e uma resposta – pela
esquerda, nas ruas – à capitulação de um governo que traiu seus eleitores e sua
base social. Pois embora os governos do PT tenham tirado da miséria 50 milhões
de brasileiros, eles afagaram o quanto puderam os “mercados”, a imprensa
golpista e o que há de pior no cenário político. A despeito das imensas
dificuldades, precisamos agora cerrar fileiras contra a direitização do Brasil.
Tecendo em Reverso – Como se dá hoje o processo da escolha de
autores pela editora e, como se dialoga diante de divergências tão grandes
entre a esquerda brasileira?
IVANA JINKINGS – Temos uma instância interna, formada por
integrantes do editorial, das equipes de comunicação e do comercial, e um
conselho editorial formado por alguns dos coordenadores das nossas coleções que
se reúne periodicamente. Buscamos compor o catálogo da Boitempo de forma não
sectária, contemplando autores de diferentes linhas do pensamento crítico.
Tecendo em Reverso – Alguns clássicos de Karl Marx já foram
traduzidos em sua íntegra pela editora. Quais serão as próximas traduções?
IVANA JINKINGS – Os próximos lançamentos da coleção serão O capital, livro III; O roubo da madeira, de Marx com texto
introdutório de Daniel Bensaid; e A
dialética da natureza, de Engels.
Parabéns a Editora Boitempo pelo excelente trabalho e agora com o selo infantil Boitatá, com certeza, traz e trará contribuições significativas para as crianças e jovens.
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