Denise Gomide é doutoranda pela Universidade Estadual
de Campinas, mestre em Educação (2004) e graduada em Pedagogia pela mesma
Universidade (1998). Possui especialização em Gestão da Rede Pública pela
Universidade de São Paulo (2011). Atualmente é supervisora de ensino –
Secretaria do Estado da Educação (SP) e pesquisadora do grupo HISTEDBR (
História, Sociedade e Educação no Brasil).
O blogue Tecendo em Reverso apresenta a resenha da
pesquisadora sobre o livro de Dermeval Saviani: O Lunar de Sepé.
Foto: Arquivo pessoal da pesquisadora.
Composta por doze capítulos, a obra intitulada O lunar de
Sepé. Paixão, dilemas e perspectivas na educação é uma coletânea de estudos
apresentados pelo autor em conferências proferidas em diferentes
circunstâncias. O título do trabalho refere-se a sua curiosidade intelectual
que, ao conhecer a cidade de São Sepé, buscou alguma referência a este santo
desconhecido. Tomou conhecimento do poema popular “O lunar de Sepé”, entendendo
assim que a canonização de São Sepé se deu pelo imaginário popular.
O poema, apresentado na íntegra no capítulo primeiro, retrata
a saga do índio Sepé que, no âmbito das missões jesuíticas, foi um dos chefes
na resistência armada às determinações do Tratado de Madri que definia os novos
limites entre as colônias portuguesa e espanhola na América. Pelo Tratado, boa
parte das terras do sul passou para o domínio português e, por isso, os
jesuítas foram obrigados a migrar com os índios para outras terras, culminando
na resistência dos índios em cumprir tais determinações. O lunar correspondia a
uma mancha congênita que Sepé tinha gravada na testa na forma estelar do
cruzeiro, caracterizando uma predestinação divina à liderança e à guerra.
É a partir desse contexto que no primeiro capítulo o autor
aborda a questão das reduções jesuítas e a última migração. A cultura
introjetada nos índios pelos jesuítas representou a base da resistência,
conduzindo a guerras cujo resultado foi a destruição das missões pelas forças
associadas de portugueses e espanhóis.
No processo de inculcação da fé cristã, a vida social em
conjunto assume papel de destaque e com esse modelo educativo os jesuítas
conseguiram forjar nos índios e, especificamente no índio Sepé, os princípios
da cultura jesuíta. Nesse contexto, o índio Sepé encarnou mais plenamente essa
cultura introjetada pelos jesuítas. Sepé foi morto em uma das batalhas de
resistência e, conforme o imaginário popular, saiu vitorioso sobre a morte a
ponto de seu lunar tomar no céu a posição do Cruzeiro do Sul, saga esta que o
tornou imortalizado na cultura do Rio Grande do Sul. A imagem do índio Sepé significa,
no âmbito pedagógico, a representação do projeto civilizatório e do modelo
educativo dos jesuítas de aculturação dos indígenas. O êxito desse trabalho
educativo de aculturação é representado pela santidade atribuída pelos próprios
índios à Sepé.
No capítulo dois, o autor aborda as vicissitudes, entendida
como dificuldade ou revés, e as perspectivas da pedagogia no Brasil definindo-a
como uma teoria que orienta de modo intencional a prática pedagógica.
O autor ressalta que no período colonial da história da
educação brasileira, embora a problemática se fizesse presente, o termo
“pedagogia” estava ausente tanto do plano do Ratio como nas reformas pombalinas
e por este motivo denomina este período como “pedagogia antes da pedagogia”.
Ao tratar da primeira vicissitude na história da pedagogia no
Brasil aponta que o termo “pedagogia” apareceu pela primeira vez em 1826 no
projeto de lei de ensino apresentado por Januário da Cunha Barbosa. Dadas as
diferentes interpretações do termo, foi substituído no texto da lei por
“escolas de primeiras letras”.
A escola Normal para formação docente foi criada em 1835 com
o objetivo de realizar o treinamento no método monitorial-mútuo, no entanto,
face à sua ineficiência apontada por Couto Ferraz, buscou-se substituí-la pelos
professores adjuntos que atuariam como ajudantes do regente da classe, caminho
que não prosperou, dando continuidade à instalação dos Cursos Normais. Essa
interrupção na instalação dos Cursos Normais e a tentativa frustrada de
substituí-los pelos adjuntos são identificadas como a segunda vicissitude na
história da pedagogia no Brasil, tendo em vista que retardou a formação
padronizada dos professores primários.
A terceira vicissitude na história da pedagogia no Brasil foi
o Decreto 19.851 de 1931 baixado pelo ministro Francisco Campos que instituiu a
Faculdade de Educação, Ciências e Letras e fixou o Estatuto das Universidades
Brasileiras. No entanto, essa Faculdade, definida como modelo para todo o país,
nunca chegou a ser instalada. Duas iniciativas ainda da década de 30 manifestam
a quarta vicissitude na trajetória histórica da pedagogia no Brasil: a criação
do Instituto de Educação em São Paulo e o Instituto de Educação no Rio de
Janeiro.
Ambos os institutos foram incorporados a universidades e,
portanto, elevados ao nível universitário, solidificando a formação docente na
investigação e experimentação científicas.
A origem do curso de pedagogia na história da educação
brasileira remonta-se ao Decreto-Lei 1.190 de 1939 que normatizou a Faculdade
Nacional de Filosofia, da Universidade do Brasil, organizando-a em quatro
seções: filosofia, ciências, letras e pedagogia, acrescidas da seção especial
de didática. Os alunos, para obterem a licença para lecionar, cursariam três
anos de bacharelado na área específica mais um ano do curso de didática, o que
conferiria a licenciatura. Desta forma, a formação dos professores se daria em
duas vertentes: para o ensino normal e para as especialidades, o que configurou
a quinta vicissitude na história da pedagogia no Brasil.
Com a organização da Associação Nacional pela Formação dos
Profissionais da Educação (ANFOPE) em 1990, emergiram duas idéias-força: a
tendência em organizar o curso de pedagogia em torno da formação de
professores; e a definição dos elementos fundamentais que devem basear a
formação de um educador consciente e crítica, ideia essa expressa no termo
“base comum nacional”.
A primeira idéia representa a sexta vicissitude da pedagogia
no Brasil por definir a docência como base para a formação dos profissionais da
educação, reduzindo a pedagogia à docência. A segunda idéia representa a sétima
vicissitude, pois a noção de “base comum nacional” permanece obscurecida.
A pedagogia foi a última área a ter definidas suas diretrizes
nacionais previstas pela nova LDB (1996), o que aconteceu somente em 2006, dez
anos depois de sua promulgação. No entanto, essas diretrizes curriculares
nacionais do curso de pedagogia restringiram o pedagogo a um docente formado em
curso de licenciatura, caracterizando a oitava vicissitude da pedagogia no
Brasil por centrar a formação do pedagogo no exercício docente.
No tocante às perspectivas da pedagogia no Brasil, o autor
aponta o caminho da história como eixo articulador na organização dos conteúdos
curriculares, a partir do qual a realidade da escola torna-se foco do processo
formativo. A partir da trajetória histórica, os elementos da atualidade
necessários à formação do pedagogo, serão estudados pelo viés da história que
contemplará seu nascimento e seu desenvolvimento, possibilitando assim uma
instrumentalização técnica para uma prática pedagógica eficaz, focando o
processo formativo na história da organização e funcionamento da escola.
O autor reforça ainda neste capítulo a necessidade das
unidades universitárias na área da educação propiciar aos jovens aspirantes à
tarefa de educadores um ambiente de intenso e exigente estímulo intelectual,
através da articulação dos fundamentos teóricos e práticos da educação com a
pesquisa científica.
No capítulo 3, sob o título Pedagogia, Paixão e Crítica, o
autor aborda a paixão do professor em cinco estações, a qual ao mesmo tempo em
que remete ao prazer e à felicidade, significa também sofrimento. Assim,
percorre na história, o calvário dos professores. Na 1ª Estação, a educação na
Grécia, a profissão docente estava associada mais ao desprezo do que à estima.
Na 2ª Estação, a educação em Roma, os dois pólos da palavra paixão, sofrimento
e prazer, se fazem presentes. Na Educação na Idade Média, caracterizada como a
3ª Estação, a falta de mestres e o desinteresse pelo estudo das letras
reduziram o valor social da educação, fazendo desaparecer a escola clássica e
surgir os mestres livres. A educação moderna ou burguesa da 4ª Estação é
definida como precária, condicionando a subsistência miserável dos professores
aos centavos recebidos pelo maior número de alunos que conseguisse incluir na
lista. A 5ª Estação, a educação no Brasil, trata do paradoxo exaltação e
penúria que desmobiliza os movimentos docentes.
Ainda neste capítulo, o autor alerta para o fato de que a
apaixonante profissão do educador não deve ser subjugada pela ingenuidade. É
preciso superá-la a partir de uma perspectiva crítica que permita adequar as
ações aos objetivos que se deseja atingir. Nesse sentido, o compromisso com a
educação implica na tomada de consciência e no entendimento de que existe uma
correlação de forças daqueles que buscam perpetuar a ordem vigente e aqueles
que lutam por transformá-la, onde o professor assume a causa dos dominados
(excluídos). Essa passagem da consciência ingênua à consciência crítica implica
em desfazer toda ilusão de poder que acometia o professor otimista e fazia-o
acreditar na sua capacidade de transformar a sociedade sem, contudo, cair num
pessimismo igualmente ingênuo que não vislumbra possibilidades de transformação
da sociedade pela educação. A superação do otimismo ingênuo e do pessimismo
ingênuo está, segundo o autor, no entusiasmo crítico que supera a visão de
senso comum intuitiva e opinativa, ascendendo à consciência fundamentada
filosoficamente e cientificamente.
A temática Ética, Educação e Cidadania é tratada no capítulo
4 a partir da centralidade da Educação na trilogia, isto é, a educação, por se
definir pela mediação no sentido de possibilitar ao homem a apropriação da
produção humana historicamente acumulada, fará também a mediação do homem e a
ética (consciência ética) e do homem e a cidadania (consciência cidadã). Além
disso, a educação fará a mediação entre a ética e a cidadania, possibilitando a
construção de uma cidadania ética e de uma ética cidadã.
Ao refletir sobre “O homem e os valores”, o autor aponta os
condicionamentos aos quais o homem está submetido tanto no meio natural como no
ambiente cultural. Esses condicionamentos tornam-no um ser situado (a priori
existencial), o que lhe dá as condições de existência humana. Por este motivo,
o homem passa a valorizar os elementos que lhe dão essas condições, exercendo
assim uma atitude axiológica, ou seja, passa a atribuir conceitos de valor.
Define, portanto, a situação (contexto determinado) como o primeiro aspecto que
caracteriza a estrutura do homem.
A partir dessas considerações, o autor define valor como
uma relação de não indiferença entre o homem e os elementos com que ele se
defronta, estabelecendo uma relação de valoração positiva com os elementos que
favorecem a sua existência e uma relação de valoração negativa com os elementos
que prejudicam a sua existência. Dessa forma, é possível ao homem reagir e
intervir na situação para aceitá-la, rejeitá-la ou transformá-la. E a
transformação que o homem opera no contexto determinado é definida pelo autor
como cultura que, enquanto produto da ação humana, é resultado da ação que ele
opera no meio, sendo-lhe, portanto, capaz de superar os condicionamentos da
situação.
Ao tratar do segundo aspecto da estrutura do homem, a
liberdade, que por ser pessoal e intransferível, evidencia a autonomia dos
sujeitos e impõe o respeito à pessoa humana. Nessa perspectiva, o autor
assevera que a relação de domínio do homem sobre as coisas jamais pode ser
estendida para as relações entre os homens.
O terceiro aspecto que caracteriza a estrutura do homem, o
aspecto intelectual, implica na consciência, por meio da qual é possível
ultrapassar os limites situacionais e pessoais numa perspectiva de
objetividade, transcendendo os pontos de vista pessoais e possibilitando,
portanto, a comunicação e o entendimento entre os homens numa relação de
colaboração. Isso dá abertura para a relação estética, de apreciação, do homem
com as coisas e do homem com outros homens.
Ao tratar da educação e os valores, o autor retoma a idéia de
homem como ser que produz a sua própria existência a partir da ação coletiva
sobre a natureza. E nesse sentido, as origens da educação se confundem com as
origens do próprio homem que, não tendo garantida a sua existência, tem que
aprender a produzi-la, agindo sobre a natureza e transformando-a. Neste sentido,
a educação, enquanto atividade intencional consiste em produzir na
singularidade a humanidade que é produzida historicamente pela coletividade a
fim de capacitá-lo para intervir na situação para transformá-la, ou seja,
transformar o que é naquilo que deve ser.
Ao falar sobre Ética e Educação, o autor aponta a
educação como mediação no processo de tomada de consciência moral das ações
humanas elevando-a ao nível ético, isto é, a partir da educação os valores
morais são subordinados à compreensão teórica dos fundamentos, critérios e
regras que os definem, o que os eleva ao nível ético.
A ética pertence, portanto, ao domínio pessoal das relações
entre os homens, nas quais está em evidencia a questão indissociável da
liberdade e da responsabilidade. No entanto a educação tem tratado a questão de
forma dicotômica: hora exaltando a liberdade, hora exaltando a
responsabilidade. Com efeito, o indivíduo deve assumir as suas decisões e
escolhas (liberdade), mas também deve assumir as suas consequências e implicações
(responsabilidade).
Sobre Cidadania e Educação, inicia afirmando que ser
cidadão significa ser sujeito de direitos e de deveres, agindo politicamente
segundo as exigências próprias da vida em sociedade.
Ressalta que a questão da cidadania se põe na sociedade
burguesa e, nesse contexto, a educação escolar configura-se como instrumento
básico para o exercício da cidadania, como condição indispensável para que ela
se constitua, pois não é possível a existência na sociedade moderna sem o
acesso à cultura letrada, sem a qual não se pode participar plenamente da vida
em sociedade e nem mesmo ser sujeito de direitos e deveres.
Considerando que na base da sociedade burguesa está a divisão
de classes, os interesses opostos dessas classes acabam por refletirem-se nas
relações da trilogia ética, educação e cidadania, tanto na vida social
cotidiana, como também nas relações de trabalho e na vida cultural, o que
atribui à trilogia uma determinação histórica e social. No contexto da
sociedade burguesa, a ética, a educação e a cidadania refletem a ideologia
burguesa, e a educação, no papel de mediadora entre a ética e a cidadania,
buscará instituir em cada indivíduo singular o cidadão ético correspondente a
esse tipo de sociedade.
Diante desses impasses, aponta-se como horizonte a visão
socialista de educação, capaz de embasar uma nova sociedade em que a ética e a
cidadania, mediadas pela educação, realize a verdadeira emancipação humana.
No capítulo 5, ao tratar dos dilemas e perspectivas da
formação de professores no Brasil, o debate se inicia com uma reflexão sobre a
situação atual da educação e a formação de professores situando, em termos
quantitativos, o avanço significativo no campo educacional ocorrido no século XX,
consubstanciado na universalização do acesso ao ensino fundamental. No entanto,
o avanço quantitativo trouxe em seu bojo os problemas de caráter qualitativo,
que se evidenciam no desempenho insuficiente e na dificuldade de conclusão do
ensino fundamental. Nessa discussão, o problema da formação docente emerge como
o vilão responsável pela falta de qualidade na educação.
Retomando os antecedentes históricos, o autor aponta que no
século XIX dois modelos buscaram resolver o problema da formação docente: o
modelo dos conteúdos culturais-cognitivos e o modelo pedagógico-didático. A
preocupação do primeiro modelo está no domínio da cultura geral e na formação
específica na área de conhecimento que o professor pretende lecionar,
representando, na história da educação, as instituições de ensino que foram
responsáveis pela formação dos professores secundários. No segundo modelo além
da cultura geral e da formação específica, prioriza-se a preparação
pedagógico-didática, tendo as Escolas Normais como representantes deste modelo
na formação dos professores primários.
Aponta ainda que as políticas formativas no Brasil são
descontínuas. Enquanto que nas reformas da década de 30 a questão pedagógica
ocupou posição central; as diretrizes sucessivas, não conseguiram estabelecer
um padrão mínimo de formação docente para o enfrentamento dos problemas da
educação escolar brasileira.
Ao analisar os documentos oficiais que estruturam a atual
formação dos professores no Brasil, o autor faz menção a cinco dilemas:
1. Apontam os problemas a serem resolvidos e as dificuldades
a serem superadas, porém são insuficientes no encaminhamento das soluções.
2. São restritos no que diz respeito aos conhecimentos
historicamente acumulados, essenciais à formação docente; porém são impregnados
dos novos paradigmas da pós-modernidade.
3. Centralizam a noção de “competência” entendida como
mecanismo de adaptação do comportamento humano ao meio material e social, o que
resulta na incompetência dos professores em lidar com a complexidade da tarefa
pedagógica.
4. Reforçam uma formação focada no máximo desempenho com o
mínimo de investimento, resultando no professor técnico cuja atividade
restringe-se à aplicação de regras, em detrimento do professor culto que domina
os fundamentos científicos e filosóficos do conhecimento.
5. Evidenciam a dicotomia entre os dois modelos de formação
(o modelo dos conteúdos culturais-cognitivos e o modelo pedagógico-didático),
sem qualquer encaminhamento para sua superação.
Quanto às perspectivas da formação docente no Brasil hoje,
apresenta a fragmentação, dispersão e descontinuidade das políticas
educacionais; o formalismo das normas legais nos cursos de formação docente;
separação entre as instituições formativas e as escolas; dicotomia entre teoria
e prática; e precarização do trabalho docente como desafios a serem superados.
Para essa superação apresenta como perspectivas a formação centrada no padrão
universitário com foco na docência; uma política educacional que priorize a
formação de professores cultos; a formação para o ensino e a pesquisa com
intenso e exigente estímulo intelectual; uma articulação das instituições
formativas com o funcionamento das escolas através de um redimensionamento dos
estágios; um posicionamento teórico, no âmbito da pedagogia histórico-crítica,
para articulação da teoria e da prática; e uma política de valorização docente.
Nessa perspectiva, há que se ressaltar que não há como
enfrentar o problema da formação docente, ignorando a questão das condições do
exercício do trabalho docente. Se por um lado, a boa formação implica num
trabalho docente satisfatório; por outro lado, as condições do exercício do
magistério verificadas fundamentalmente nos próprios professores formadores e
nos estágios, acabam por determinar a qualidade da formação docente. Assim, as
condições de trabalho docente têm um impacto decisivo na formação de novos
professores, ligando-se intimamente à valorização social da profissão.
Ao tratar do direito à educação, o autor inicia o capítulo 6
distinguindo direitos civis, ligados ao exercício da liberdade individual;
direitos políticos, ligados à participação no poder político; e direitos
sociais, correspondendo ao nível mínimo de bem-estar e no qual se configura a
educação que, para além de um direito social, é condição necessária para o
exercício de todos os direitos. Considerando que a sociedade urbano-industrial
se baseia em normas escritas, para a participação ativa nessa sociedade e o
exercício dos direitos, os indivíduos necessitam ter acesso aos códigos escritos,
o que, de fato, é mediado pela escola, convertendo os indivíduos em cidadãos,
isto é, sujeitos de direitos e deveres.
No entanto, ao longo da história da educação no Brasil, o
Estado não conseguiu cumprir o seu dever de garantir à população o direito de
ter acesso à educação, persistindo o conflito entre a proclamação do direito à
educação e a sua efetivação, dada a histórica resistência em investir neste
direito social.
Em seguida, no capítulo 7, buscando responder a questão “que
escola queremos?”, o autor descreve os quatro paradoxos da educação escolar. O
primeiro deles, o paradoxo da escola cidadã: autonomia ou submissão,
trata da expectativa contraditória da escola cidadã que, ao nível do discurso,
tem por objetivo formar para o exercício consciente da cidadania, isto é,
transformar os indivíduos de sujeitos passivos e conformados em sujeitos
críticos, ativos e transformadores; e da escola que, na realidade, entende a
educação cidadã como o processo de formar indivíduos disciplinados, ordeiros, que
respeitem os outros e sejam submissos. Já as expectativas contraditórias do paradoxo
da escola imparcial: justiça ou injustiça, se definem na defesa de uma
escola justa, imparcial, que, por uma lado, leve em conta apenas o mérito
individual como padrão de justiça; mas que, por outro lado, se pauta pela
defesa de uma escola que leve em conta as diferenças e particularidades
individuais e sociais dos alunos. Ao tratar do paradoxo da escola
igualitária: igualdade ou desigualdade as expectativas contraditórias
resumem-se no tratamento igual conferido ao desiguais e o tratamento desigual
aos iguais, o que reporta ao último paradoxo: o paradoxo da escola
equalizadora: equidade ou ini(e)quidade.
Neste paradoxo, o autor discorre sobre a escola que busca
equalizar as desigualdades tratando de forma diferenciada os desiguais.
Todavia, é exatamente o discurso da equidade que acentua as desigualdades por
permitir que regras utilitárias de conduta sobrepujem a questão do direito,
adaptando-o às diferentes circunstâncias.
A razão dessa tendência da educação em gerar expectativas
contraditórias está na estrutura da sociedade atual. O caráter contraditório da
ideologia liberal, que é a base da sociedade capitalista, se expressa no campo
educacional a partir das contradições entre o homem e sociedade expressas na
divisão entre o indivíduo egoísta e independente e a pessoa moral, cidadão do
Estado; entre o homem e o trabalho que contrapõe o trabalho enquanto fonte
criadora da existência humana e o trabalho como elemento de degradação e
escravidão do trabalhador; e entre o homem e a cultura que contrapõe a cultura
socializada, rebaixada para as massas, à cultura individual, sofisticada para
as elites.
Tais questões evidenciam a impossibilidade do desenvolvimento
da escola pública na sociedade de classes de tipo capitalista a qual funda-se
na apropriação privada dos meios de produção, dentre eles o saber. Uma escola
pública de qualidade viabilizaria a apropriação do saber por parte dos
trabalhadores que, sendo proprietários apenas de sua força de trabalho, não
podem, portanto, apropriar-se do saber. Por isso, a luta pela escola pública
coincide com a luta pela superação dessa forma de sociedade, com a luta pelo
socialismo. Este é o caminho para resolver o paradoxo da educação escolar,
superando as expectativas contraditórias.
O capítulo 8 aborda a importância da filosofia para a
educação, considerando que a filosofia, por ser a forma mais elaborada de
compreensão do homem pelo próprio homem, é uma especialidade que interessa a todos
os homens.
Sendo a história o conteúdo da filosofia por tratar da
produção da existência humana no tempo, o método do filosofar pode seguir dois
caminhos distintos e opostos: o do idealismo ou da metafísica, que faz
abstração do movimento concreto da história, convertendo-a em idéias que se
justificam por si mesmas, e o da historicização, que toma a história como o
próprio método do filosofar. Nessa perspectiva, a formação do educador deveria
priorizar o desenvolvimento de uma ampla cultura filosófica que tenha a história
como conteúdo e forma, possibilitando assim compreender o modo de ser do homem
enquanto indivíduo real e sujeito histórico.
A politecnia e a formação humana são tratadas no
capítulo 9 a partir do trabalho enquanto princípio educativo no sentido de ajustar
a natureza às finalidades humanas. Essa ação sobre a natureza para
transformá-la é guiada por objetivos, antecipada mentalmente, o que diferencia
os homens dos animais que apenas adaptam-se a natureza e agem sobre ela por
instinto.
A formação dos homens traz a determinação do modo como
produzem a sua existência e a realidade da escola tem de ser vista nesse
quadro. Nos primórdios, a educação se restringia a pequenas parcelas da
humanidade. O trabalho produtivo era o trabalho de cultivo da terra, para o
qual não eram requeridos conhecimentos sistemáticos. Com o advento da sociedade
moderna, os conhecimentos passam a ser incorporados como força produtiva por
meio da indústria, subordinando o campo à cidade, e a agricultura à indústria.
Distanciando-se das relações naturais, a sociedade moderna passou a adotar
normas para as relações entre os homens, normas estas compreendidas no direito
positivo, que assumiu a forma escrita, sendo necessária a introdução de códigos
de comunicação. É nesse contexto que a escola se constitui como via de acesso
aos códigos escritos e o currículo escolar, desde a escola elementar, passa a
ser estruturado considerando o princípio do trabalho como processo pelo qual o
homem transforma a natureza. No entanto, a sociedade moderna, alicerçada na
propriedade privada dos meios de produção, converteu o conhecimento em força
produtiva, ou seja, propriedade privada da classe dominante, desenvolvendo
mecanismos que sistematizam os conhecimentos em saberes genéricos aos
trabalhadores e reforçando a separação entre o trabalho manual e trabalho
intelectual.
A noção de politecnia vem contrapor-se a essa dicotomia,
postulando que o processo de trabalho desenvolva os aspectos manuais e
intelectuais, colocando assim todo o processo produtivo a serviço do conjunto
da sociedade, abarcando assim todos os ângulos da prática produtiva.
No capítulo 10, o autor discorre sobre O futuro da
Universidade entre o possível e o desejável. As universidades surgiram na
Idade Média com o propósito de formação de profissionais intelectuais, em
oposição às corporações de ofício cujo objetivo era a formação nas artes
manuais.
Na primeira metade do século XIX definiram-se os três modelos
clássicos de universidade e que configuram a universidade como a conhecemos atualmente:
o modelo napoleônico, com a prevalência do Estado, o modelo anglo-saxônico, com
destaque para a sociedade civil, e o modelo prussiano, prevalecendo a autonomia
da comunidade acadêmica.
No Brasil, o modelo napoleônico prevaleceu desde 1808. A partir
da década de 80, há um deslocamento no padrão do ensino superior no Brasil com
a incorporação de elementos do modelo anglo-saxônico, principalmente no que diz
respeito a distinção entre as universidades de pesquisa, espaços restritos de
concentração dos investimentos públicos; e as universidades de ensino, tidas
como universidades de segunda classe que não necessitam desenvolver pesquisa.
Nesse contexto, configura-se o futuro possível da universidade: o de
subordinação da educação superior aos mecanismos de mercado.
Segundo o autor, a atividade de pesquisa é um produto que não
é separável do ato de produção, o que limita o modo de produção capitalista
neste tipo de atividade e, portanto, não pode ser plenamente objetivada. No
âmbito da produção material, a maior produtividade e o maior nível de qualidade
estão atrelados a incorporação de inovações tecnológicas que possibilitaram o
incremento da mais-valia relativa, de modo que os ganhos de produtividade
expressam-se igualmente em ganhos de qualidade. Já no âmbito da atividade
científica e da educação, modalidades da produção não material, o incremento da
produtividade interfere negativamente na qualidade e vice-versa. No entanto, é
importante ressaltar que, trabalho produtivo na sociedade capitalista é o que
gera mais-valia e trabalho improdutivo é o que não gera mais-valia, o que não
significa que nada produza. Pode produzir, sem, contudo, gerar mais-valia, ou
seja, sem entrar no circuito do capital.
Esses dois aspectos, produtividade e qualidade, consistem no
dilema do ensino superior hoje, especialmente dos cursos de pós-graduação. Ao
dar precedência à produtividade, atendendo aos critérios das agências de apoio
à pesquisa no que diz respeito ao aumento do número de relatórios de pesquisa
em troca de apoio financeiro, ignora-se o tempo destinado à produção de
dissertações e teses, o que acaba por contribuir com a queda da qualidade dos
programas de pós-graduação. Ao dar precedência à qualidade, com foco na
formação e na produção de dissertações e teses, as exigências de produtividade
ficariam em segundo plano, reduzindo o financiamento.
A solução deste problema, segundo o autor, é buscar construir
outro futuro para a universidade que afirme a educação como fator estratégico,
de modo que a prática articulada do ensino, da pesquisa e da extensão
converta-se em principal instrumento no projeto de desenvolvimento da sociedade
brasileira.
Dando continuidade ao tema da educação superior, o capítulo
11 trata da Pós-graduação em educação, interdisciplinaridade e formação de
professores. Inicia o texto fazendo a distinção entre a pós-graduação lato
sensu, voltada para o aperfeiçoamento e especialização da formação
profissional básica obtida na graduação e tendo como elemento principal o
ensino; e a pós-graduação stricto sensu, organizada nas formas de
mestrado e doutorado e voltada para a formação acadêmica de pesquisadores e,
portanto, com foco na pesquisa inicial (mestrado) e de consolidação
(doutorado).
O autor retomou o Parecer 977 de 1965, de autoria de Newton
Sucupira, que trata da conceituação dos estudos pós-graduados stricto sensu,
prevendo apenas o mestrado e o doutorado, e da estrutura organizacional
bastante articulada influenciada pelo modelo americano, mas inspirada, na sua
implantação, pela experiência europeia de densidade teórica herdada do
iluminismo.
Questiona a redução do tempo de realização do mestrado com a
tendência de dispensar a dissertação, ressaltando como necessário o exercício
da pesquisa como forma de adquirir domínio teórico e prático do processo de
investigação. Aponta como alternativa as monografias de base como ideia
reguladora da dissertação de mestrado que, a partir de temas relevantes ainda
não suficientemente explorados, orientariam um levantamento das informações
possíveis.
Com relação à forma de organização curricular da
pós-graduação, o autor trata da questão da interdisciplinaridade, ressaltando
como o termo vem sendo banalizado nas teorizações. Com relação ao campo
educativo, suas reflexões partem da diferenciação entre as ciências da
educação (psicologia da educação, sociologia da educação, história da
educação, etc), onde o ponto de partida e o ponto de chegada estão fora da
educação; e a ciência da educação enquanto constituição concreta a
partir de uma totalidade e, portanto, ponto de chegada e ponto de partida, onde
as contribuições e os conhecimentos científicos das diferentes áreas têm como
referência a problemática educacional.
No tocante a formação docente na pós-graduação, a história da
educação brasileira desde seus primórdios evidencia que não se manifestou uma
preocupação explícita com a formação dos professores.
Fechando a obra, o autor trata no capítulo 12 sobre o
financiamento da educação sob perspectiva histórica, constatando que embora a
legislação tenha definido em diferentes momentos percentuais mínimos a serem
investidos no ensino, tais percentuais sempre foram entendidos como máximos,
configurando assim na história brasileira a escassez de recursos para a área da
educação.
A atual sociedade do conhecimento aponta a educação como
fator estratégico no projeto de desenvolvimento do país e, considerando isto, o
autor apresenta uma proposta de aumento exponencial dos recursos para a
educação. Inicia pontuando a relação entre educação e desenvolvimento a partir
de três concepções distintas: educação pelo desenvolvimento econômico, educação
para o desenvolvimento econômico e educação como desenvolvimento econômico.
A educação pelo desenvolvimento econômico considera a relação
entre educação e desenvolvimento a partir do entendimento de que a educação
situa-se à margem do desenvolvimento econômico, porém dependente das
possibilidades abertas por ele. Esta concepção estabelece a educação no âmbito
do não trabalho como atividade improdutiva. Pautada na concepção liberal,
centrada na valorização absoluta do indivíduo, a educação nesse contexto é
vista como fruição da cultura e não como preparo para a atuação social.
Na segunda concepção, educação para o desenvolvimento, a
educação atua como instrumento a serviço do desenvolvimento econômico. Tal
perspectiva se projetou na década de 1960, com a teoria do capital humano,
focando o valor econômico da educação pela sua relação direta com a
qualificação da mão de obra. Isso significa que, nesse contexto, o projeto de
desenvolvimento nacional buscava adequar o ensino escolar às demandas do
processo produtivo resultando na instalação das escolas técnicas
profissionalizantes e reforçando a visão dualista e excludente que contrapõe
desenvolvimento econômico e desenvolvimento social.
Na terceira concepção, educação como desenvolvimento
econômico, o autor, a partir de Marx, define a educação como não apenas um bem
de consumo, mas um bem de produção, evidenciando que o processo de produção
social é uma totalidade orgânica.
Assim, não faz sentido a dicotomia entre educação e economia,
justamente porque no contexto da atual sociedade do conhecimento, o processo
produtivo depende cada vez mais do domínio de formas de pensamento adquiridas
sistematicamente através da escola.
O autor sinaliza para a superação do modelo econômico
vigente, a partir do consenso de que a educação formal, na atual sociedade do
conhecimento, é a chave do sucesso para todos os setores e empreendimentos.
Portanto, é preciso assumir a educação como fator estratégico para o
desenvolvimento o que implica no investimento maciço para atacar, na linha de
frente, todos os outros problemas decorrentes da falta dela, pois, pela
educação, estará sendo promovido o desenvolvimento econômico.
O autor conclui o capítulo final refletindo sobre a
oportunidade que nos é posta pelo novo Plano Nacional de Educação (PNE) no
sentido da melhoria da qualidade na educação e, especificamente, no tocante ao
financiamento, sem o qual todas as outras metas ficam inviabilizadas. A educação,
como modelo de desenvolvimento econômico e como área prioritária em torno da
qual girará o desenvolvimento do país, é o caminho mais consistente e
estratégico, e por isso, reivindica via PNE, o adequado encaminhamento da
questão do financiamento.
Finalizando, ressaltamos que os doze capítulos apresentam uma importante referência para a área da educação e isto se deve, especialmente, à sua linguagem clara, direta e objetiva, o que facilita a consulta e a compreensão por parte dos leitores das temáticas abordadas nesta obra.
Finalizando, ressaltamos que os doze capítulos apresentam uma importante referência para a área da educação e isto se deve, especialmente, à sua linguagem clara, direta e objetiva, o que facilita a consulta e a compreensão por parte dos leitores das temáticas abordadas nesta obra.
* Esta resenha foi publicada pela primeira vez na Revista HISTEDBR online.
Indicação de leitura:
Foto: Divulgação
Ler! Um mergulho no conhecimento.
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