Por Juliana Gobbe
O pesquisador Gilberto César Lopes Rodrigues é
licenciado em Filosofia pela Unesp – Marília SP e mestre em Filosofia também
pela Unesp. Atualmente é professor no programa de educação da Universidade do
oeste do Pará e doutorando do PPG em Educação da Unicamp com projeto de
pesquisa sobre Educação Indígena e Pedagogia Histórico-Crítica.
Nesta entrevista, o pesquisador discorre sobre seu livro In-Form-Ação.
Foto: Arquivo pessoal do pesquisador.
Tecendo em Reverso – Como foi
concebido o livro In-Form-Ação?
GILBERTO
CÉSAR LOPES RODRIGUES - Bom, esse livro resulta da pesquisa de mestrado que
realizei junto ao Programa de Pós-graduação em Filosofia da Universidade
Estadual Paulista (UNESP) de Marília no período de 2006 a 2009. Apesar do
título induzir o leitor a pensar que o livro é sobre computação ou comunicação
ele é, na verdade, sobre Filosofia. Mais precisamente sobre Filosofia da Ação
ou, como ficou conhecido no Brasil, Filosofia da Mente. Nele, apresento um
exame da pertinência do conceito contemporâneo de informação para explicar a
ação como alternativa ao paradigma causal-mecanicista.
O livro foi
estruturado em quatro capítulos. No primeiro faço um percurso na história da
filosofia destacando o modo pelo qual a causalidade penetra nessa área do saber
e se instala como um paradigma sobre o qual as explicações, sobretudo
científicas, deveriam ser fundamentadas para serem satisfatórias. Exploro mais
detidamente as considerações de Aristóteles e Hume sobre causalidade. Depois
examino os limites que as considerações sobre causalidade desses dois autores
enfrentam quando empregadas no domínio da ação humana. Isto porque a ação,
diferentemente do comportamento mecânico, engendra uma intencionalidade que a
direciona. O resultado da ação de algum modo retroage sobre o agente mantendo
ou modificando o conteúdo da intencionalidade (significado) para futuras ações
que demandarem intencionalidade semelhante. Este movimento pressupõe uma
circularidade e um conteúdo significativo no domínio da ação. As explicações
causais de cunho mecanicistas tem dificuldade de considerar estes dois
aspectos.
No terceiro e
quarto capítulos examino a pertinência dos estudos contemporâneos sobre
informação para suplantar as dificuldades que levantei sobre a causalidade no
domínio da explicação da ação intencional. Aí vou deixar para os leitores a
curiosidade aberta sobre o que tem informação a ver com a ação intencional e
também quais os limites que ela enfrenta nesse domínio.
Outra coisa
que acho interessante compartilhar é que o livro está disponível gratuitamente
para download no site da editora da Unesp. Saber que seria gratuito e
disponibilizado universalmente para download me incentivou a transformar a
dissertação em livro.
Tecendo em Reverso - De onde vem o
título In-Form-Ação?
GILBERTO
CÉSAR LOPES RODRIGUES - Na verdade o título completo do livro é “In-Form-Ação:
do paradigma causal ao paradigma informacional na explicação da ação”. Achei
pertinente separar a palavra informação nas três partes que a compõe para
sugerir ao leitor uma noção de movimento e processo que essas partes conferem
ao serem separadas e relacionadas com ação. Ou seja, a ação intencional seria
orientada, conformada (Form), constrangida, por dados, padrões, hábitos que re(construímos)
(In) que de algum modo utilizamos para orientar nossos comportamentos
tornando-os intencionais (Ação). E a esse processo informativo, poderíamos
chamar de processo de construção do significado. Não é uma tese nova nem complexa. Diria
tratar-se de algo meio óbvio. Acho que o grande passo que dei, mas que ficou
meio incompleto, foi trazer a ação para o centro do processo de significação.
Parece redundância, mas há uma forte tradição na filosofia que em última
instância recai no idealismo do tipo transcendental ao explicar o processo de
significação. Entendo que recai nesse tipo de explicação as teorias sobre a
natureza do significado que não colocam a ação concreta de agentes incorporados
e situados em um ambiente ao qual co-evolue, que lhe é inerentemente
significativo, e do qual é parte imanente, no centro das considerações sobre o
processo de significação. Os matemáticos em geral são mestres em recair nesse
típico desvio.
Tecendo em Reverso - Você disse que
ficou meio incompleta a abordagem da ação que utilizou. O que faltou?
GILBERTO
CÉSAR LOPES RODRIGUES - Bem, na época do mestrado, muito pela boa influência do
grupo de estudo que participava, utilizei o filósofo estadunidense Charles
Sanders Peirce para mostrar como a ação era central no processo de
significação, assim como faz esse filósofo. No entanto o que acho que faltou
foi incorporar o Materialismo Histórico Dialético em minhas análises. Mas isso
não deu pra fazer porque não pertencia ao universo de minhas preocupações à
época, também não daria tempo considerando o insatisfatório período de mestrado
permitido pela CAPES para pesquisas mais profundas e o marxismo não era tema do
grupo de pesquisa apesar de notar em minha orientadora certa admiração por
Marx.
Tecendo em Reverso - Qual a relação
entre o marxismo e seus estudos sobre informação?
GILBERTO
CÉSAR LOPES RODRIGUES - Bem, vou falar sobre isso de modo geral e considerando
o marxismo como sinônimo de materialismo histórico dialético e o que prevejo de
relação entre eles, lembrando que não explorei essa relação no livro. Veja bem,
entendo a ação como um processo que se estende no tempo abarcando elementos
filogenéticos e ontogenéticos que se reforçam ou modificam no embate com o real
concreto na medida de sua pertinência como orientadores dos movimentos dos
agentes no ambiente. Esses elementos em
relação com os agentes possibilitam os significados, tanto os já produzidos
historicamente pela humanidade (filogenéticos) como sua reconstrução (ou
criação de novos) no indivíduo (ontogenético). O centro desse processo de
(re)construção dos significados é a práxis.
Outro elemento importante que o marxismo possui é considerar humano e natureza
como pertencentes a uma mesma totalidade inseparável. Não tem nenhuma abertura
para atribuir transcendentalidade ao significado, nem mesmo as representações
que construímos mentalmente sobre o real. Não significa dizer que não há uma
dimensão mental no marxismo. Há. Mas ela pertence ao domínio da natureza. Esse
domínio se constrói pelo trabalho (no sentido marxista), pelo movimento de
transformar o concreto real em concreto pensado e possibilitar a adaptação da natureza
às necessidades humanas. Na medida em que adaptamos a realidade às nossas
necessidades, humanizamo-nos. Esta dinâmica é o processo de significação. Sem
essa âncora no real concreto abre-se espaço para um idealismo alienante que
pouco contribui para a constituição de ações transformadoras da realidade
concreta no sentido da emancipação humana. Emancipação no sentido de superação
da sociedade alienante que vivemos sob a batuta do modo de produção capitalista
e em direção a uma realidade plena de sentidos.
Tecendo em Reverso – Nota-se pelo seu
currículo que ultimamente você tem se dedicado as pesquisas na área da
educação, particularmente à educação escolar indígena. Qual a relação desse
novo tema de pesquisa com o tema que deu origem ao livro?
GILBERTO
CÉSAR LOPES RODRIGUES - Pois é. Aqui novamente o marxismo e a centralidade da práxis são fundamentais. Marx,
escrevendo com Engels as teses sobre Feuerbach, em certa altura esbraveja que
os filósofos até aquele momento se dedicaram a interpretar o mundo, e que isso,
para ele, passara a ser uma questão escolástica. Depois dessa constatação ele
adverte que é necessário transformar o mundo, que já estamos cheios de
interpretação. Esse pensamento de certa forma me acordou e me fez considerar
que até hoje parece ser assim. Senti-me, na filosofia, como um pesquisador que
estava caminhando para a escolástica. Por outro lado, quando entrei para a
universidade como docente, fui para a área de educação, em um programa de
Pedagogia no interior da Amazônia. Recebi dezenas de alunos indígenas e comecei
a trabalhar mais detidamente com eles questões da filosofia da educação,
sobretudo se havia uma filosofia da educação indígena. Pesquisei varias
realidades indígenas e notei que antes de ter ou não filosofia da educação
indígena, eles estavam lutando por implantação de educação escolar. No entanto,
descobri que a educação escolar em implementação é de baixíssima qualidade,
altamente precarizada e pouco se coaduna aos interesses dos indígenas por
escola. Naturalmente me questionei: qual o papel da educação escolar estatal
precarizada no interior das sociedades indígenas? Bem, tendo em vista que a
escola é um instrumento informativo, na medida em que formata a ação dos
indivíduos para agir de certo modo na sociedade, não foi difícil responder que
a educação escolar operava como (re)produtora da cultura dominante naquelas sociedades
(processo informativo). No entanto, constatei que, contraditoriamente, mesmo
tendo uma escola altamente precarizada e reprodutora dos valores da cultura
nacional hegemônica, os indígenas lutam por escola e constatei que elas trazem
benefício a eles. Tendo esse quadro no horizonte, a práxis marxista como elemento de transformação de um lado, e estar
em um programa de educação, de outro, decidi por pesquisar alguma alternativa
pedagógica para sugerir às escolas indígenas da região que trabalho. Por isso
estou me doutorando no grupo de pesquisa que tem na Pedagogia Histórico-crítica
um de seus eixos. A ligação com o tema do mestrado é entender que nossas ações
são aprendidas e que elas podem ser orientadas externamente em uma relação de
alienação ou podem ser realizadas de modo consciente, transformador e com
emancipação. Para construir tanto um tipo de ação como o outro, a escola tem
papel importante como instrumento in-form-ativo(ação). Ela molda a ação no
mundo através de um processo informativo. Mas há no interior desse processo,
imanente a ele, as tensões, as disputas, a resistência. Esse lado pode ser
explorado através de uma teoria pedagógica que busque a emancipação humana em
direção a uma sociedade plena de sentidos.
Tecendo em Reverso - Voltando ao
conteúdo do livro, você o termina afirmando que os estudos contemporâneos sobre
informação podem ter produzido um efeito importante na filosofia. Fale um pouco
sobre isso.
GILBERTO
CÉSAR LOPES RODRIGUES - Essa concepção de que a introdução de estudos em
informação na filosofia significou uma reviravolta importante, da qual eu
concordo, foi sistematizada por Frederick Adam. Para entender essa importância
é preciso ir além do significado corriqueiro de informação, sobretudo a versão
da teoria matemática da comunicação, que a considera como dados, sinais, bits, inputs
e outputs desprovidos de significado. Estes seriam construídos internamente
pelos sistemas vivos (ou artificiais) capazes de significá-los. Não concordo
com este processo e aponto os motivos na última seção do terceiro capítulo do
livro. Entendo que informação é um processo entre agente (não necessariamente
humano) e ambiente (contexto) que não se reduz nem a um nem a outro, mas que
não existe sem um desses lados. Deste processo resultam padrões, regularidades,
hábitos que se armazenam no ambiente ou no agente que orientarão ações. Por
exemplo: ao caminhar por um lugar desconhecido os rastros que se formam na
relação entre o agente e o ambiente podem orientar o caminho de volta. O
processo todo é informativo. Assim, informação não é um substantivo fixo. É um
processo que ocorre o tempo todo com todos os agentes da natureza. Essa
abordagem simplifica problemas clássicos da filosofia como a relação
mente-corpo, a natureza da cognição, o processo de significação, a natureza das
representações mentais, etc. Por isso a introdução dos estudos contemporâneos
sobre informação pode representar uma virada informacional de grande monta na
filosofia.
Confiram o livro neste link: