O
filósofo Benedito Prezia atua nas questões indígenas desde 1983. A partir de
1992 começou a lecionar sobre a História de Resistência Indígena no Curso de
formação básica do Cimi.
Em
2001 foi um dos fundadores do Programa Pindorama para indígenas na PUC-SP.
Escreveu
várias obras paradidáticas sobre a temática indígena, como Terra à vista, descobrimento ou invasão?
Em
2017 lança pela editora Expressão Popular a obra: HISTÓRIA DA RESISTÊNCIA INDÍGENA
- 500 ANOS DE LUTA. Sobre ela o autor nos concedeu a seguinte entrevista:
Foto: Divulgação
Tecendo
em Reverso- Como nasceu a ideia e
concepção da pesquisa que deu origem ao livro “HISTÓRIA DA RESISTÊNCIA INDÍGENA
- 500 ANOS DE LUTA”?
BENEDITO PREZIA – Em 1986, a
pedido do Conselho Indigenista Missionário-Cimi onde trabalhava, surgiu o
projeto de se fazer um resgate da História do Brasil na perspectiva indígena.
Assim iniciamos o Suplemento Cultural do jornal Porantim, e por dois anos publicamos muitos episódios da luta
indígena, como encarte do jornal. Um ano depois participei de outro projeto
mais amplo, que era escrever um livro com esse mesmo enfoque. Assim surgiu, em
1989, o livro Essa Terra Tinha Dono (FTD), em parceria com a Cehila Popular-Comissão de História da Igreja da América
Latina. Entrei nessa obra como coautor, assumindo a parte etnográfica e
Eduardo Hoornaert, um historiador, escreveu a parte histórica. Era uma
tentativa mais consistente de mostrar a história do Brasil na perspectiva
indígena. Em 2000, por ocasião dos 500 anos de Brasil, foi publicado pela mesma
editora uma nova versão, intitulada Brasil
Indígena, 500 anos de resistência. Apesar de não aprofundarmos muito nos temas, pois
eram obras para o Fundamental II, na época, foram obras de referência. Mas sempre
tinha uma vontade de retomar essa história, enfocando as lutas indígenas e não
os massacres e o genocídio. Dessa forma,
propus ao jornal Porantim que fossem publicados
episódios de resistência, em textos curtos e num formato jornalístico. Havia me
inspirado em Eduardo Galeano, o grande escritor
uruguaio, autor de Memórias de Fogo, que
traz episódios com igual formato. Ao
longo de nove anos resgatei episódios históricos
de luta e resistência que perpassaram toda a história do Brasil. Com o tempo,
achei que esses textos poderiam formar um livro e eis que saiu a presente obra.
Tecendo
em Reverso – A história oficial
apresentada nas escolas por uma ótica muito específica e marcadamente
ideológica nos livros didáticos tem apresentado a “conquista” da América sob a
égide dos vencedores, e muito pouco tem se debatido o banho de sangue e,
consequente extermínio do povo indígena. Como você trata esta questão no seu
livro?
BENEDITO
PREZIA – A História sempre foi escrita pelos vencedores e uma mudança de foco ocorrerá
quando a sociedade brasileira mudar também. Foi para contribuir com essa
mudança que escrevi este livro. Percebi que quando o indígena aparece na História
ou é de modo tangente, um acessório – sem nome e sem passado –, ou em massacres
e mortes. Diz-se que o indígena aparece na TV somente quando há sangue. Mesmo
assim é mais focada a violência do indígena, que reage, e não a violência dos
donos do poder. Privilegiei episódios em que os indígenas são protagonistas e
não apenas vítimas. Ainda há muito que se pesquisar e muito a escrever. Creio
que, com o tempo, poderá sair um segundo volume, pois as lutas são muitas e a
resistência aparece de várias maneiras.
Tecendo
em Reverso- Na sua obra fica clara a
participação dos padres nas chacinas indígenas. De que maneira a presença
jesuítica no Brasil induz através da religião o processo do que podemos chamar
aqui superficialmente de “aculturação”, extrapolando para a dizimação de tribos
inteiras?
BENEDITO
PREZIA – Os padres, especialmente os jesuítas tem um papel grande na história
indígena, pois o rei de Portugal confiou-lhes a chamada “civilização”. Isso fazia
parte do processo de conquista. Infelizmente em séculos anteriores, a Igreja
católica ainda não tinha “se convertido” e feito uma autocrítica sobre a
prática catequética. O que ocorreu devido a essa ação missionária, pode ser
classificado como etnocídio, isto é, a
destruição de uma cultura. Mesmo assim foram os jesuítas – não todos – os que
mais defenderam os indígenas nos três séculos de conquista colonial. Por isso
foram expulsos várias vezes – do Pará, Maranhão e São Paulo –, sendo
definitivamente expulsos do Brasil em 1759. No Paraguai os Guaranis defenderam
com armas na mão as missões, pois se sentiam participantes daquela experiência
de colônia. Entretanto foi o único momento em que os indígenas, de forma
grupal, tomaram a defesa dos padres. O fim foi igual: destruição da missão e
expulsão dos missionários. A Igreja católica só mudou sua prática missionária
após o Concílio Ecumênico Vaticano II, nos anos de 1960, quando ocorreu a fundação do Conselho Indigenista Missionário-Cimi, que apresentou outra maneira de estar
com os indígenas, lutando pela terra e pela preservação da cultura.
Foto: Divulgação
Tecendo
em Reverso – Há muito vem se destacando e
heroicizando no Brasil a figura dos bandeirantes num claro processo de
desconhecimento histórico. Ao seu ver qual foi o papel real de Raposo Tavares
na ofensiva em relação aos povos indígenas?
BENEDITO
PREZIA – No Brasil critica-se muito a ação da Igreja católica, mas pouco se
fala da ação destruidora de um grupo de paulistas, chamados de bandeirantes. Não só foram poupados pela
História brasileira, mas tornaram-se heróis em São Paulo. Basta ver o nome das
rodovias paulistas, através das quais se descobrem as rotas usadas nas expedições
escravistas. Para homenagear a todos, o governo de São Paulo denominou uma das
principais rodovias de Bandeirantes e
designou o palácio oficial com o nome desses traficantes de escravos. É uma ofensa à memória de tantos
indígenas escravizados e mortos ao longo de 300 anos. Só agora, graças às redes
sociais – e não à escola –, a juventude paulistana está sendo bem crítica neste
ponto e basta ver as manifestações em apoio aos Guaranis ocorridas nesses
últimos dois anos, com pichação de vermelho no monumento às Bandeiras.
Tecendo
em Reverso – Na sua obra você destaca
nomes importantes no movimento de resistência indígena no Brasil como: Ângelo
Kretã, Marçal Guarani, Maria Tatatxi, entre outros. Como você vê a luta
indígena neste momento infeliz pelo qual passamos hoje no Brasil? Como atuam os
movimentos contemporâneos?
BENEDITO
PREZIA – A história de resistência continuou no século XX, sobretudo na época
da ditadura militar, onde aparecem os nomes citados acima. Já com apoio do
Cimi, os indígenas começaram a realizar suas assembleias e a ter projetos mais
autônomos, que resultou nos avanços encontrados na Constituição de 1988. É uma
história de sangue, pois muitas lideranças morreram, mas sua morte serviu de
exemplo de luta para as gerações mais jovens. Hoje a situação dos indígenas
está muito frágil, devido à política do atual governo que é formado por uma
grande base de parlamentares ligados ao agronegócio. O mais triste é ver o
desmonte da Funai, quando os indígenas veem um militar na presidência do órgão
e a perda de muitas conquistas obtidas com anos de luta. Mas esses povos estão
acostumados a resistir. Por isso terminei o livro com uma frase, de uma faixa que
havia das manifestações por ocasião dos 500 anos de Brasil: Reduzidos sim, vencidos nunca.