DOUGLAS
CHRISTIAN FERRARI DE MELLO É DOUTOR EM EDUCAÇÃO NO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
EDUCAÇÃO PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO. FEZ MESTRADO EM HISTÓRIA,
TAMBÉM PELA Ufes. ATUALMENTE É PROFESSOR EFETIVO DA PREFEITURA MUNICIPAL DE
VILA VELHA. O PESQUISADOR TRABALHA COM QUESTÕES DAS ÁREAS LIGADAS À EDUCAÇÃO
ESPECIAL E EM CONSULTORIAS, CURSOS E PALESTRAS SOBRE O TEMA.
COM PROBLEMAS DE BAIXA VISÃO DESDE A INFÂNCIA, VEIO DEPOIS DE ADULTO A PESQUISAR O ASSUNTO COM A TESE: “ENTRE A LUTA E O DIREITO: POLÍTICAS PÚBLICAS DE INCLUSÃO ESCOLAR DE
PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL”.
CONFIRAM
A ENTREVISTA:
TECENDO EM REVERSO - COMO
VOCÊ COADUNA EM SUA TESE AS RELAÇÕES ENTRE ESTADO, DIREITOS SOCIAIS E POLÍTICAS
PÚBLICAS ENFATIZANDO A EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL?
DOUGLAS CHRISTIAN FERRARI DE MELO – A
CONCEPÇÃO DE ESTADO AMPLIADO DE GRAMSCI FORNECEU AS BASES QUE NORTEARAM O
ESTUDO SOBRE OS DIREITOS SOCIAIS E AS POLÍTICAS PÚBLICAS. ASSIM, O ESTADO E,
DESSA FORMA, OS DIREITOS SOCIAIS E AS POLÍTICAS PÚBLICAS SÃO O RESULTADO DO
EMBATE ENTRE GRUPOS, CLASSES E/OU FRAÇÕES DE CLASSES DISTINTAS EM DISPUTA PELA
INSCRIÇÃO DE SEUS PROJETOS NA “VIDA ESTATAL”. DESSA FORMA, OS DIREITOS
GARANTIDOS EM LEI SÃO EXPRESSÕES DAS DEMANDAS FORMULADAS PELA SOCIEDADE EM UM
DETERMINADO PERÍODO HISTÓRICO. APÓS OS DIREITOS SEREM POSITIVADOS, É NECESSÁRIO
DAR O PRÓXIMO PASSO NO CAMPO DA LUTA, OU SEJA, A IMPLEMENTAÇÃO POR MEIO DAS
POLÍTICAS PÚBLICAS. NESSE SENTIDO, EM CONSONÂNCIA COMO O REFERENCIAL TEÓRICO,
OS DIREITOS SOCIAIS SURGEM A PARTIR DAS LUTAS SOCIAIS (ESTADO AMPLIADO) PARA
SEREM EXPRESSOS NA LEI (ESTADO RESTRITO) E POSTERIOR EFETIVAÇÃO POR MEIO DAS
POLÍTICAS PÚBLICAS DE INTERVENÇÃO ESTATAL (ESTADO RESTRITO) NAS RELAÇÕES
SOCIAIS E NA SOCIEDADE CIVIL (ESTADO AMPLIADO).
TECENDO EM REVERSO – DE QUE
MANEIRA E QUANDO EFETUA-SE A LEGISLAÇÃO PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL BRASILEIRA?
DOUGLAS CHRISTIAN FERRARI DE MELO – PRECISAMOS ENTENDER O PROCESSO
HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL, INCLUINDO O APORTE LEGAL QUE A
SUSTENTA, ESPECIALMENTE APÓS A CONSTITUIÇÃO DE 1988. POR ISSO, É NECESSÁRIA A
CONSTRUÇÃO DOS SEUS NEXOS, DEMONSTRANDO O SENTIDO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NESTA
ÁREA COMO EIXO ORIENTADOR DAS RECENTES TRANSFORMAÇÕES OBSERVADAS NA ATUAL
CONJUNTURA. POR EXEMPLO, O TERMO “PREFERENCIALMENTE”, PRESENTE EM QUASE TODA LEGISLAÇÃO
BRASILEIRA SOBRE EDUCAÇÃO ESPECIAL, ABRE ESPAÇO PARA CLASSES E ESCOLAS
ESPECIAIS, ESPAÇOS QUE, SE NÃO FOREM BEM TRABALHADOS E COM LIMITES DE ATUAÇÃO,
PODEM GERAR FORMAS SEGREGADAS DE ENSINO. DADA A SUA IMPORTÂNCIA – QUE VAI ALÉM
DOS ASPECTOS FILOLÓGICOS OU SIMPLESMENTE TÉCNICOS E ATINGE, POR EXEMPLO, O TIPO
DE POLÍTICA E FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL –, A INCORPORAÇÃO OU NÃO DE
TAL PALAVRA TRAVOU O DEBATE ENTRE AS INSTITUIÇÕES ESPECIALIZADAS E OS ADEPTOS
DA INCLUSÃO NA ESCOLA COMUM DURANTE A APROVAÇÃO DA META 4 DO PLANO NACIONAL DE
EDUCAÇÃO (PNE) PARA OS PRÓXIMOS DEZ ANOS (BRASIL, 2014).EM BALANÇO HISTÓRICO, AO
MESMO TEMPO EM QUE A LEGISLAÇÃO AVANÇA NA DEFINIÇÃO DO PÚBLICO-ALVO OU NA
AFIRMAÇÃO DA PROPOSIÇÃO POLÍTICA EM FAVOR DA EDUCAÇÃO DESSE PÚBLICO DE FORMA
TRANSVERSAL E ARTICULADA COM O ENSINO COMUM, TAMBÉM EMPACA, AO ABRIR ESPAÇOS
PARA A ATUAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES ESPECIALIZADAS NO ÂMBITO EDUCACIONAL,
ESPECIALMENTE, NO ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO. ESSA AMBIGUIDADE COM
RELAÇÃO ÀS RESPONSABILIDADES DOS SISTEMAS DE ENSINO COM A EDUCAÇÃO ESPECIAL É
UMA PRESENÇA CONSTANTE NOS DOCUMENTOS OFICIAIS. TENDO POR BASE O REFERENCIAL
GRAMSCIANO, ESSE ASPECTO DEMONSTRA OS MOVIMENTOS DE MARCHA E CONTRAMARCHA SOB
OS DESÍGNIOS DOS JOGOS DE PRESSÃO DENTRO DA CORRELAÇÃO DE FORÇAS E DO CAMPO DE
DISPUTA PRESENTE NO ESTABELECIMENTO DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO LIGADO À
EDUCAÇÃO ESPECIAL.
TECENDO EM REVERSO – AO
LEVANTAR DADOS EM QUATRO MUNÍCIPIOS DA GRANDE VITÓRIA –ES O QUE VOCÊ PODE
CONCLUIR EM RELAÇÃO À REALIDADE APRESENTADA NO ÂMBITO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL?
DOUGLAS CHRISTIAN FERRARI DE MELO – AO
FAZER ESSA INVESTIGAÇÃO, PUDE PERCEBER QUE AS MUDANÇAS POLÍTICAS NOS MUNICÍPIOS
DIFICULTARAM OU INVIABILIZARAM O REGISTRO SISTEMATIZADO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
DESTINADAS ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL. O POUCO REGISTRO LEGAL
RELACIONADO COM A EDUCAÇÃO ESPECIAL PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL É UM
EXEMPLO DESSA CONDIÇÃO, O QUE DIFICULTA O TRABALHO DOS HISTORIADORES DA
EDUCAÇÃO. E MESMO ONDE AS POLÍTICAS PÚBLICAS DIRECIONADAS PARA AS PESSOAS COM
DEFICIÊNCIA FORAM REGISTRADAS EM DOCUMENTOS TÉCNICOS NÃO FICARAM LIVRES DAS
INTEMPÉRIES POLÍTICAS. POR ISSO, MESMO REGISTRADAS NESSES DOCUMENTOS TÉCNICOS,
ESSAS POLÍTICAS PÚBLICAS NÃO ESTÃO GARANTIDAS, EXIGINDO UM PROCESSO DE LUTA
CONSTANTE QUE PASSA PELA ASSUNÇÃO DA NECESSIDADE AO DIREITO, SUA
INSTITUCIONALIZAÇÃO POR MEIO DA INSCRIÇÃO LEGAL E A IMPLEMENTAÇÃO, MAS, TAMBÉM,
E TÃO IMPORTANTE QUANTO, A MANUTENÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS.
ESPECIFICAMENTE SOBRE A ÁREA DA EDUCAÇÃO
PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL, FOI POSSÍVEL PERCEBER UMA NATURALIZAÇÃO DA
PRÁTICA PEDAGÓGICA DESENVOLVIDA COM ESSES ALUNOS. ESSAS PRÁTICAS ESTÃO
CRISTALIZADAS, FOSSILIZADAS. É COMO SE NÃO EXISTISSEM OUTRAS NECESSIDADES/DEMANDAS
A SEREM TRABALHADAS, OUTRAS AÇÕES A SEREM DESENVOLVIDAS, E MESMO ESSAS NÃO
PRECISARIAM SER QUESTIONADAS, TRANSFORMADAS, RECONFIGURADAS. PROPONHO QUE ESSA DESFOSSILIZAÇÃO PASSA PELO ANÚNCIO DE UMA
TEORIA PEDAGÓGICA QUE DIALOGUE COM A ÁREA, TRAZENDO NOVOS PROBLEMAS, NOVAS
ABORDAGENS, NOVOS MÉTODOS, NOVAS REFLEXÕES, MAS, ACIMA DE TUDO, NOVAS
TRANSFORMAÇÕES. ACOMPANHANDO O REFERENCIAL TEÓRICO, APONTO A TEORIA
HISTÓRICO-CULTURAL E A PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA, AMBAS DE BASE MARXISTA,
COMO A POSSIBILIDADE DESSA TEORIA PEDAGÓGICA. ALÉM
DISSO, DIALETICAMENTE, DEFENDENDO O ESTABELECIMENTO DE POLÍTICAS
PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO ESPECIAL QUE BUSQUEM ARTICULAR O MOVIMENTO DO PARTICULAR E
DO GERAL QUE MARCAM A REALIDADE CONTRADITÓRIA. SÃO REFLEXÕES QUE RELACIONAM O
QUE É PRÓPRIO E O QUE É GERAL, POIS É PRECISO PERCEBER A
ESPECIFICIDADE/SINGULARIDADE QUE NÃO PODEM FICAR DISSOLVIDAS NO GERAL, NEM,
TAMBÉM, NÃO SE PODE VÊ-LAS ISOLADAMENTE.
PARTICULARMENTE, COM RELAÇÃO ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS, ARTICULANDO AS
POLÍTICAS UNIVERSALISTAS COM AS ESPECÍFICAS.
TECENDO EM REVERSO – DE QUE
FORMA O “TERCEIRO SETOR” ATUA NA EDUCAÇÃO ESPECIAL BRASILEIRA NA
CONTEMPORANEIDADE?
DOUGLAS CHRISTIAN FERRARI DE MELO - À LUZ DA LEITURA DE GRAMSCI SOBRE A
SOCIEDADE CIVIL, RESSALTEI QUE AS INSTITUIÇÕES ESPECIALIZADAS FAZEM PARTE DO
ESTADO, POIS ESTÃO INSERIDAS NA SOCIEDADE CIVIL EM RELAÇÃO DIALÉTICA COM A
SOCIEDADE POLÍTICA. POR ISSO, FICA MAIS FÁCIL ENTENDER POR QUE ESSAS
INSTITUIÇÕES “GANHARAM” A CENTRALIDADE DA EDUCAÇÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA,
PRINCIPALMENTE, QUANDO SE OBSERVA O PROTAGONISMO DAS REDES MUNICIPAIS DE ENSINO
NOS ÚLTIMOS ANOS EM RELAÇÃO ÀS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO ESPECIAL. PARA ASSEGURAR
ESSA CENTRALIDADE, AS INSTITUIÇÕES ESPECIALIZADAS MANTÊM SEUS ESPAÇOS NA LUTA
HEGEMÔNICA, COM REPRESENTANTES NA SOCIEDADE POLÍTICA (FUNCIONÁRIOS DO ESTADO,
BUROCRATAS, MAGISTRADOS) E NA SOCIEDADE CIVIL, COM SEUS INTELECTUAIS ORGÂNICOS,
A FIM DE TORNAREM A SUA IDEOLOGIA DOMINANTE. POR ESSE PANORAMA, POSSO AFIRMAR
QUE ACONTECEU (E AINDA ACONTECE) UMA “RESPONSABILIZAÇÃO DESRESPONSABILIZADA”
DOS MUNICÍPIOS EM RELAÇÃO AOS ATENDIMENTOS DOS ALUNOS PÚBLICO-ALVO DA EDUCAÇÃO
ESPECIAL. EM QUE PESE O AUMENTO DA AÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, CONTINUA-SE
APOSTANDO NAS INSTITUIÇÕES ESPECIALIZADAS, ENQUANTO ASSISTIMOS À PRECARIEDADE
DOS SERVIÇOS PÚBLICOS. AINDA ESTÁ MUITO PRESENTE NO SENSO COMUM A VISÃO SOBRE A
QUAL OS ALUNOS PÚBLICO-ALVO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL SÃO BEM MAIS ATENDIDOS EM
INSTITUIÇÕES ESPECIALIZADAS, ENDOSSADAS PELO TERMO “PREFERENCIALMENTE”,
EMBUTIDO NA LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL BRASILEIRA. DESSE MODO, POR UM LADO, O
ESTADO MANTÉM A PERTINÊNCIA DAS INSTITUIÇÕES, POR OUTRO, “GANHA” COM ESSES
CONVÊNIOS, POIS, AOS OLHOS DA OPINIÃO PÚBLICA, ELE MANTÉM O ATENDIMENTO A ESSE
PÚBLICO, MAS SEM A RESPONSABILIDADE DIRETA.
TECENDO EM REVERSO – SABE-SE
QUE A PRECARIZAÇÃO DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL JÁ SE ESTENDE HÁ
TEMPOS. SEGUNDO SEUS ESTUDOS, COMO OCORRE A FORMAÇÃO PARA O PROFISSIONAL QUE
ATUARÁ NA EDUCAÇÃO ESPECIAL?
DOUGLAS CHRISTIAN
FERRARI DE MELO - NAS FORMAÇÕES NA ÁREA DA DEFICIÊNCIA REALIZADAS NOS QUATROS
MUNICÍPIOS, VERIFICA-SE QUE OS TEMAS ESTAVAM, SOBRETUDO, LIGADOS ÀS PRÁTICAS
PEDAGÓGICAS, QUE CHAMEI DE UMA VISÃO PRAGMÁTICA E “PRATICISTA” DA DEFICIÊNCIA
VISUAL, OU SEJA, O TRABALHO COM ATIVIDADES QUE SE DEDICAM, QUASE
EXCLUSIVAMENTE, À LEITURA E ESCRITA EM BRAILLE, SOROBÃ E ÀS TÉCNICAS DE
ORIENTAÇÃO E MOBILIDADE PARA OS ALUNOS CEGOS E À ESTIMULAÇÃO VISUAL E PRECOCE E
TAMBÉM RECURSOS ÓTICOS E NÃO ÓTICOS PARA OS ALUNOS COM BAIXA VISÃO. INCLUSIVE
ESSES ASPECTOS SÃO OS MESMOS QUE SÃO EXIGIDOS NOS PROCESSOS DE CONTRATAÇÃO PARA
O PROVIMENTO DO CARGO. OU SEJA, A EDUCAÇÃO ESPECIAL NA ÁREA DA DEFICIÊNCIA
VISUAL ESTÁ ATRAVESSADA DESDE O PROVIMENTO, PASSANDO PELA FORMAÇÃO, ATÉ CHEGAR
ÀS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E AÇÕES IMPLEMENTADAS PELA PERSPECTIVA DA COMPENSAÇÃO
BIOLÓGICA/SENSORIAL. DE VEZ EM QUANDO, É POSSÍVEL PERCEBER ALGUMA AÇÃO EM
DIREÇÃO À PERSPECTIVA HISTÓRICO-CULTURAL.É COMO SE NÃO EXISTISSEM OUTRAS
NECESSIDADES/DEMANDAS A SEREM TRABALHADAS, OUTRAS AÇÕES A SEREM DESENVOLVIDAS E
MESMO ESSAS NÃO PRECISARIAM SER QUESTIONADAS, TRANSFORMADAS, RECONFIGURADAS.
ALÉM DISSO, DE MODO GERAL, PRATICAMENTE, TODOS OS CURSOS E OS MODELOS ADOTADOS
PRIORIZAM A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES ESPECIALIZADOS EM DETRIMENTO DOS
PROFESSORES REGENTES, PEDAGOGOS E GESTORES DO ENSINO COMUM E, DESSA FORMA,
CORRE-SE O RISCO DE CAIR, JUSTAMENTE, NA ARMADILHA SISTEMA PARALELO DE ENSINO.
Parabéns pela entrevista!
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