terça-feira, 22 de dezembro de 2015

No limite dos nós não desfeitos.


 Foto: Tamyris Zago

O romance “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos , foi publicado no Brasil em 1938. A narrativa centra-se em retirantes sertanejos do nordeste do país que perpetuam em sua trajetória um ciclo de miséria decorrente da seca.
O autor nesta obra, como em outras de sua autoria faz presente ao seu leitor o cuidado na escolha acertada de cada palavra, bem como, na dialética entre forma e conteúdo. Num percurso em que a violência subtraída da realidade faz de Vidas Secas um clássico, cuja atualidade, estimulou os descendentes (netos) de Graciliano a comparar o livro com a situação dos milhares de refugiados que perambulam hoje pelo  mundo. Razão lhes cabe.
A tragédia engendrada pelo escritor alagoano não acontece há pouco tempo. É fruto de séculos de opressão do capital e da propriedade privada nas mãos de poucos. A história se repete através dos tempos, mostrando-se bem parecida com essa pela qual passam os homens, mulheres e crianças da Jordânia, Líbano, Turquia e Síria que deixam esses lugares, não pela seca latifundiária, mas pelas guerras e opressões constantemente reafirmadas por parte dos truculentos governos invasores.
A mídia, muitas vezes não confiável, atesta que mais de 350.000 mil pessoas tenham deixado seus lares em 2015 em busca de uma vida menos atormentada. Muitas chegam ao Brasil com formação universitária, porém sem condições de arrumar em prego por conta da não fluência na língua local.
Coletivos são criados, como por exemplo, o Abraço Cultural ( homônimo do nosso coletivo criado em 2009) para dar conta deste déficit  e ensinar idiomas às pessoas oriundas de outras localidades.  Mas, as coisas seguem insuportáveis, visto que as instituições estatais trabalham ainda com o velho e garantido sistema de doses homeopáticas, no que diz respeito às medidas realmente eficazes relacionadas ao bem - estar dos refugiados.
É importante ressaltar aqui que a saída de forma abrupta de seus locais de origem fomenta questões nem sempre aventadas pelos Fabianos e Sinhás Vitórias, pois estes, muitas vezes desconhecem que por trás das guerras e secas encontra-se a atuação  do capitalismo, isto é,  um sistema econômico contemplador da riqueza para poucos com base na exploração de muitos e, que aos poucos vai destruindo não só o planeta, mas boa parte de seus moradores. A precarização do trabalho e a miséria estão presentes cada vez mais no modo de produção engolidor de gente.
Graciliano mostrou através de Vidas Secas o que existe para além do lenga-lenga açucarado dos romances alienantes. A pós-modernidade tem romanceado a realidade sobremaneira, trabalhando alegoricamente com o que realmente importa.
A imitação e a conformidade configuram-se como a arte destes tempos difíceis, pois o que se vê por aí ultimamente é a mais completa imbecilização dos seres humanos (das pessoas). Nunca houve tanto circo, no pior sentido que esta palavra possa adquirir.
Quem trabalha com a realidade leva logo a pecha de panfletário, pois o que sustenta a humanidade é a ilusão. Pena.
Dessa forma, apaga-se sutilmente qualquer horizonte de luta, pois no lugar deste nos é dada a fanfarrice e os momentos puramente dionisíacos que, se por um lado nos elevam por alguns instantes, por outro atrofiam nossa reflexão mais profunda acerca da vida.
Porém, nem tudo está perdido neste período de art pour l’art. Animei-me outro dia ao assistir uma adaptação para o teatro  de Vidas Secas feita pelos atores da Companhia Teatral: Caravan Maschera. Trata-se da italiana Giorgia Gold e do brasileiro Leonardo Garcia. Ambos, atores da Companhia.
Num espetáculo orientado somente por gestos e, obviamente, pela supressão das palavras, os atores conseguiram enredar o público num processo altamente criativo e crítico. Partindo-se de provocações necessárias, a não voz dos personagens incomodou a plateia o suficiente para a produção de questionamentos relevantes sobre a  própria existência.
Não posso deixar de mencionar um outro grande autor brasileiro: João Guimarães Rosa que em seu livro de contos Primeiras Estórias, escreve “A Terceira Margem do Rio”, narrativa que tece o abandono da casa por um pai que aparentemente fica “louco” e vai morar numa canoa naquilo que transformar-se-ia na terceira margem.
Há alguns anos, Caetano Veloso e Milton Nascimento compuseram uma música também chamada “A Terceira Margem do Rio”. Nela, temos: “Asa da palavra / Asa parada agora / Casa da palavra / Onde o silêncio mora / Brasa da palavra / A hora clara nosso pai”.
Transcrevo o trecho da letra, pois quando vi a encenação da obra de Graciliano, me lembrei da música de Caetano e Milton...pensei no silêncio e, também no “silenciamento” a qual é constantemente submetida a população marginalizada.
Em linhas gerais, o que escreveu o determinista Euclides da Cunha em “Os sertões”, continua válido: “O sertanejo é, antes de tudo, um forte”.
Avante Caravan Maschera! Merda procês!

Juliana Gobbe


quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Antônio Carlos Maciel


O pesquisador Antônio Carlos Maciel é graduado em Filosofia pela Universidade do Amazonas (1983), tem também graduação em Pedagogia pela Fundação Universidade do Amazonas (1985) com especialização em Inovação Tecnológica pela ISAE/FGV (1995). Possui mestrado em Educação pela Universidade Federal do Amazonas (1992). Possui doutorado em Desenvolvimento Socioambiental pela Universidade Federal do Pará (2004). Atualmente é Pós-doutorando em Educação pela UFOPA /UNICAMP.

Confiram a entrevista com o pesquisador:


terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Socorro Lira

Por Juliana Gobbe

Socorro Lira é uma artista de muitos instrumentos. Além de cantora é poeta. Extremamente preocupada com os rumos da vida social brasileira, a artista tem uma ativa participação nas redes sociais e fora delas.
Em 2012 foi agraciada com o mais importante prêmio da música na23ª edição do Prêmio de Música Brasileira.
Recentemente lançou o EP: Os Sertões do Mundo e o livro de poesias : A Pena Secreta Da Asa.
A sessão de autógrafos do livro com recital de poesias acontece hoje na Casa das Rosas em São Paulo às 19horas.
Sua voz dispensa comentários, pois trata-se de um canto bem elaborado e rico de uma sensibilidade genuinamente brasileira. O blogue Tecendo em Reverso conversou com a artista sobre sua carreira.

Confiram:


Tecendo em Reverso - De que maneira o aboio (canto dos vaqueiros) influenciou a menina Socorro Lira no interior da Paraíba?

SOCORRO LIRA – Minha mãe decorava o canto dos vaqueiros (não me lembro de ter vaqueiras) e cantava em casa. Ela gosta muito. E eu ouvia isto de minha mãe ou vindo da mata branca (caatinga). Morávamos na roça. Era um som que vinha de longe em todos os sentidos. Mágico.


                                                 Foto: Arquivo pessoal da artista.

Tecendo em Reverso - Como nasceu a poeta Socorro Lira? Conte-nos um pouco sobre seu mais recente trabalho: A Pena Secreta Da Asa.

SOCORRO LIRA – Nasceu ouvindo poesia cantada, poesia dita, brincando de fazer rima, as brincadeiras de criança tinham poesia, como esta: “lua, luinha / me dê pão com farinha / pra eu dar à minha gatinha / que tá presa na cozinha (Que maldade “prender” a gatinha, mas era só no verso... risos).
Este livro nasceu de uma necessidade minha de organizar meus poemas e lhes dar atenção. É importante organizar e dispor para quem quiser ler (poesia) e ouvir (canção). Aí, a Uka Editorial publicou. Isso foi muito bom, permitiu uma edição bacana.


                                                    Foto: Arquivo pessoal da artista.

Tecendo em Reverso - O documentário Aqui tem coco – Um dia em Caiana dos Crioulos insere-se no projeto Memória Musical da Paraíba. Quais outras atividades estão ligadas a este projeto?

SOCORRO LIRA – Além desse documentário, produzimos 2 CDs com o cancioneiro tradicional de Caiana; o CD Pedra de Amolar, homenagem ao compositor Zé Marcolino e com participação de Sivuca, Marinês, Dominguinhos, Vital Farias e mais um time de artistas; e o álbum Lua Bonita onde interpreto a obra de outro paraibano, outro Zé, Zé do Norte. Ganhei o Prêmio da Música Brasileira com este, em 2012. Tenho bastante coisa registrada que poderá ser publicada ainda. Falta perna.

Tecendo em Reverso - Em que medida a premiação como melhor cantora regional na 23ª edição do Prêmio de Música Brasileira trouxe ao público um contato mais intenso com o que se produz hoje no nordeste?

SOCORRO LIRA – Creio que seja, esta, a mais importante premiação da música brasileira. Sou grata, ajudou bastante. Trata-se de um reconhecimento importante que nos motiva a continuar. Um prêmio serve para animar, tornar publica e afirmar uma trajetória ou uma obra, dentro de um determinado alcance. No mais, a vida segue normalmente.

Tecendo em Reverso - Quais foram as motivações que a levaram a oferecer ao seu público  Os Sertões do Mundo em formato EP?


SOCORRO LIRA – Uma gravação de Dominguinhos na música Fino Poema, que entraria num CD anterior, mas não foi possível. Guardei-a e dela me veio o  nome Os Sertões do Mundo. Pensei que esta canção que fiz para ele, Dominguinhos, e que tem sua sanfona, merecia um lugar especial. Lamento não ter pedido para ele cantar também. Infelizmente.
Depois, um tempo que passei na África, em 2011, trouxe-me o desejo de traçar um paralelo, através da canção, entre o sertão nordestino e o da África do Sul, por exemplo. Como se não houvesse um oceano entre nós. E o fato de sermos uma única espécie que habita esse planeta é um bom motivo. Nunca é demais lembrar-nos disto. Meu encontro com Mia Couto, em Maputo, e ele me dando um livro e falando de parceria também me animou a buscar mais a poesia africana, que é linda. Poema Didáctico é nossa primeira parceria.


                                                     Foto: Arquivo pessoal da artista.


Tecendo em Reverso - Percebe-se nos seus perfis nas redes sociais, uma grande preocupação com os rumos da política no Brasil.Qual é a importância dos artistas nessa espécie de engajamento com as questões que envolvem a sociedade como um todo?

SOCORRO LIRA – Antes de ser artista, sou cidadã. E gostaria que o mundo fosse digno para todo mundo, em toda parte. Quando comecei a compor e cantar eu já era engajada nos movimentos sociais, na Paraíba. Participei de política estudantil na escola e na universidade. A arte é só um jeito de eu dizer o que penso e sinto do mundo, da vida. O resto é a própria vida.