A pesquisadora
Talita Bordignon é graduada em História pela Universidade Estadual Paulista “Júlio
de Mesquita Filho” – UNESP, campus Franca (2008). Tem mestrado em Filosofia e
História da Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Estadual de
Campinas – UNICAMP. Atualmente é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal de São Carlos (UFScar) e leciona na rede
estadual de ensino do Estado de São Paulo.
Sua dissertação de
mestrado defendida em 2012 teve como orientador o Prof. Dr. José Luis Sanfelice
e abordou o seguinte tema: As ações do Estado Brasileiro para o
desenvolvimento do ensino industrial no Brasil (1946-1971).
Em entrevista
concedida ao Tecendo em Reverso a pesquisadora discorreu sobre este trabalho.
Ao final da
entrevista, o leitor terá acesso ao link da dissertação para a leitura na
íntegra.
O blog Tecendo em
Reverso parabeniza a pesquisadora Talita Bordignon por esta relevante
contribuição para a Educação brasileira.
Foto: Arquivo pessoal da pesquisadora.
Tecendo em Reverso- Como ocorreu a percepção da necessidade
de pesquisar: “As ações do Estado Brasileiro para o desenvolvimento do ensino
industrial no Brasil (1946-1971)”?
TALITA BORDIGNON – Inicialmente senti que seria importante analisar os
“Acordos MEC-USAID” para a educação profissional. Estes convênios são bastante
“famosos” e envolvem questões caras à educação brasileira: o Brasil consentiu a
interferência estadunidense em várias áreas, inclusive na Educação. Isto
significa que nos deixamos moldar conforme o ideal de mundo capitalista que, na
década de 1960 estava representado na figura dos Estados Unidos da América. Ou
seja, o Estado brasileiro – articulado ao governo norte-americano – agiu de
forma a desenvolver um tipo muito específico de cidadão-trabalhador. Para os governos
que atuaram entre 1946 e 1971, as escolas técnicas eram as instituições
responsáveis pela formação da grande massa de trabalhadores que faria o país
rumar ao desenvolvimento e ao progresso. Estes trabalhadores deveriam,
inclusive, ter sua conduta moral ditada pelas fábricas – e pelas escolas que
formavam os trabalhadores para elas. Assim se garantiria que a nação brasileira
pudesse se desenvolver economicamente.
No entanto, ao analisar os documentos que foram divulgados como Acordos
MEC-USAID para o ensino industrial, confirmamos que, na verdade, estes
convênios foram firmados com o Banco
Interamericano para o Desenvolvimento (BID) e não com a United States Agency for International
Development (USAID). Na procura por fontes documentais, nos deparamos com
os Boletins da CBAI, uma publicação mensal de responsabilidade da Comissão Brasileiro-Americana para o
desenvolvimento do Ensino Industrial (CBAI). Neste periódico estão
expostos, claramente, quais eram os objetivos dos governos e da classe de
industriais que participavam da gestão dos recursos que deveriam ser aplicados
no ensino técnico-industrial brasileiro do período. Ali se expõe como se
delinearam, portanto, as ações do Estado brasileiro para este ramo de ensino.
Tecendo em Reverso -De que forma os acordos MEC- USAID influenciaram a
educação brasileira?
TALITA BORDIGNON – Os governantes brasileiros, quando buscaram ajuda
financeira para realizar o que julgavam necessário, se dispuseram a alinhavar
os montantes à ideologia do bloco que o emprestavam.
Ou seja, os convênios transplantaram a ideologia
capitalista estadunidense para a cultura e a sociedade brasileira – por meio
das escolas, dos livros, dos educadores de lá que vinham para cá e dos
educadores brasileiros que frequentaram cursos em território norte-americano.
Não se pode esquecer que naquele contexto de Guerra Fria, estavam se
digladiando dois blocos antagônicos: de um lado a União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas (URSS), representando o comunismo e de outro, os Estados
Unidos da América, em defesa do capitalismo. Os EUA, como não poderia deixar de
ser, agiram de todas as maneiras para assegurar a implantação do capitalismo em
todo o mundo – inclusive emprestando valores para o desenvolvimento dos países
cujos governos apresentavam inclinações à sua maneira de enxergar o mundo, como
é o caso do Brasil.
Tecendo em Reverso - Em que medida a organização da escola, como lemos
na sua dissertação, acompanhou “a movimentação do capitalismo internacional”?
TALITA BORDIGNON – Veja... as escolas ambicionavam formar cidadãos que
se comportassem e pensassem de acordo com os ditames do capitalismo. Isto
significa que, enquanto cidadãos a serviço do país onde vivem, deveriam
trabalhar sem fazer maiores questionamentos à ordem. Não era importante que organizassem
a produção coletivamente, por exemplo; era mais relevante que realizassem as
tarefas que lhe são impostas, individualmente. As escolas técnicas orientavam
os alunos – futuros cidadãos-trabalhadores – a agirem e se comportarem desta
maneira. Não havia necessidade de pensar; apenas realizar tarefas isoladas para
elevar o país à condição de potência econômica. Afinal de contas, quando se
adota a divisão social do trabalho, se garante maior produtividade. Neste
sentido, quaisquer ações que favorecessem
a organização do
mundo do trabalho
e orientassem a consolidação do capitalismo seriam bem-vindas: os
princípios tayloristas de racionalização do trabalho embalaram os rumos do
ensino técnico industrial e do cotidiano das fábricas. Isto é, cada trabalhador
deveria ser responsável por apenas uma determinada tarefa na produção daquele
produto e as escolas técnicas eram as instituições onde se ensinava isto.
Tecendo em Reverso - Como se deu à época a atuação da burguesia nacional
atrelada ao grande capital?
TALITA BORDIGNON – A burguesia internacional associou-se à nacional para
gerir os recursos advindos dos Estados Unidos e do Brasil. A burguesia de ambos
os países está personificada na figura da CBAI: para administrar os valores,
foi criada a comissão que, por sua vez, era formada por membros dos dois
países. Muito além de financiar, os
convênios se encarregaram
de transformar a
vida e a
cultura da sociedade
brasileira, isto é, a cooperação internacional articulou os níveis
econômico, político e cultural. Ademais, esta troca não teria se dado se as
elites não estivessem dispostas a consenti-la.
Em nome do desenvolvimento, as
classes dominantes fizeram
da cooperação bilateral
a justificativa para associar o seu capital ao internacional. Pode-se falar em agentes
sociais que procuravam
modernizar conservando a ordem, principalmente após o golpe
civil-militar do Movimento de 1964.
Espaço da pesquisadora: Desejo ter contribuído para a reflexão acerca
dos acordos internacionais que o Brasil fez e continua fazendo para a educação.
Atingir índices pré-fixados por organismos internacionais e seguir e adotar
pedagogias vazias de sentido nem sempre é uma alternativa válida. O que deu
certo em outros países, não é garantia de sucesso para a educação brasileira.
Link para a dissertação: http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=000897847
Juliana Gobbe