terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Marcos Lima

Dando continuidade ao ciclo de entrevistas com os pesquisadores da educação no Brasil, o blog Tecendo em Reverso entrevistou o pesquisador Marcos Lima  que defendeu em 2012 na Unicamp sua dissertação de mestrado com o tema : Educação, trabalho e hegemonia no Região Metropolitana de Campinas: uma análise da ação estratégica do “terceiro setor” e suas implicações político-pedagógicas. 
 A dissertação contou com a orientação do Drº José Claudinei Lombardi (Unicamp).
O blog Tecendo em Reverso parabeniza Marcos Lima por esta valiosa contribuição para a educação brasileira.

                                                                        Arquivo pessoal: Marcos Lima

Tecendo em Reverso -Tratando-se de “educação e hegemonia”. Quais foram as contribuições da obra de Antonio Gramsci quando se enfoca a crítica do “terceiro setor”?

MARCOS LIMA - Primeiramente, gostaria de parabenizar a Juliana pela organização deste importante instrumento de articulação entre a pesquisa acadêmica e a educação básica. Sem iniciativas como esta, incorremos no equívoco de permitir, aludindo a Marx e Engels, que nossos esforços sejam lançados à “crítica roedora dos ratos”.
Gramsci traz consigo uma premissa marxiana, segundo a qual “nenhuma sociedade se dissolve e pode ser substituída antes que se tenham desenvolvido todas as formas de vida implícitas em suas relações”. Tal alerta nos impediu de enveredarmos pelos caminhos tentadores de entendimento baseados no senso comum que transformou a tal “sociedade civil” em um espaço de virtudes, enquanto o Estado, identificado com a ditadura militar, era “satanizado”. Ao afirmar que devemos distinguir no estudo de uma estrutura os movimentos orgânicos (relativamente permanentes) dos movimentos de conjuntura (ocasionais, imediatos, quase acidentais), o referencial teórico-metodológico gramsciano nos impediu de realizarmos uma “crítica política miúda”, buscando numa periodização mais ampla as raízes do “terceiro setor”. Qual não foi nosso espanto ao perceber que a aliança dos EUA com setores civis de nossa sociedade, através da “Aliança para o Progresso”, preparava um campo de ação estratégica que neutralizava de forma preventiva o conflito social. Implementava-se em terras tupiniquins um tipo de sociabilidade já destacado por Alexis de Tocqueville, em sua obra A democracia na América, escrita entre os anos de 1835 e 1840, fundamentada na prevenção dos conflitos sociais, através da “preparação” dos indivíduos para a participação, racionalizando-se, assim, a democracia. Seguindo as orientações metodológicas de Gramsci, pudemos observar que as estratégias mais desenvolvidas de hegemonia, no caso a estadunidense, através da mediação de seus intelectuais, vinham em auxílio aos grupos nacionais dominantes, ameaçados pelo contexto nacional-desenvolvimentista que possibilitava a emergência das camadas populares como sujeitos históricos.  Uma forma de Estado mais complexa e eficiente na prevenção dos conflitos, sobretudo aqueles fundamentados no antagonismo de classe, emerge a partir dos anos pós-ditadura civil-militar. Trata-se de uma forma “integral” de Estado, em que os aparelhos privados de hegemonia são incorporados, instrumentalizando-se as iniciativas de emancipação das camadas subalternas. A partir da concepção gramsciana de Estado, concluímos que a tal “lógica da sociedade civil organizada”, advogada pelos defensores do “terceiro setor”, representava na verdade a expansão dos “tentáculos” do Estado sobre os espaços de organização dos movimentos populares, anulando seu caráter contestatório, preparando o caminho para as reformas neoliberais orquestradas pelo capital monopólico internacional.

Tecendo em Reverso - Na sua dissertação, lemos:“O “terceiro setor” é apresentado como solução para a separação entre o público e o privado. Através dessa esfera, o público (Estado) e o privado (mercado) se articulariam, materializando-se no “público, porém privado”, realizando-se atividades públicas através da iniciativa privada”. De que maneira articula-se atualmente a “privatização” dos espaços públicos brasileiros?

MARCOS LIMA - O conceito “público, porém privado” foi cunhado por Luiz Carlos Bresser Pereira, nomeado para o Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Com este conceito, os reformadores do Estado brasileiro adequavam-se ao discurso neoliberal da “terceira via”, cujo principal representante é Antony Guidenns, mentor das reformas que deram origem ao New Labor de Tony Blair na Inglaterra. Como resposta àqueles que afirmavam ser o governo o inimigo e, por outro lado, àqueles que defendiam a tese de que o Estado é a solução, a “sociedade civil” foi transformada em “parceira do Estado na execução dos serviços sociais”. Através desse sofisma, foram introduzidas diferentes formas de privatização dos serviços públicos, seja através de sua transferência direta às tais ONGs, seja através da atuação de instituições como a Federação das Entidades Assistenciais de Campinas (FEAC), impondo-se o que tenho chamado de “reestruturação flexível do trabalho escolar”. A tal “sociedade civil organizada” engloba desde setores empresariais até representantes sindicais das diferentes categorias do magistério, o que resulta em movimentos como o “Compromisso Todos pela Educação”, que através de um “pacto social” acaba por controlar o conflito fundamentado nos interesses de classe que marcam a história da educação brasileira. Portanto, não se trata meramente de transferir o trabalho escolar às grandes corporações educacionais que impõem à educação pública a lógica do mercado, transformando em valor de troca (mercadoria) o valor de uso (instrumento de humanização) presente na escola. Em última instância, institui-se o consenso em torno das “pedagogias do aprender a aprender”, com a ajuda de setores populares que, ao enveredarem de forma acrítica pelo campo de ação estratégica do “terceiro setor”, acabaram por inserir-se estruturalmente no processo de expansão e controle do Estado neoliberal sobre as formas de representação das camadas populares, processo cujo resultado tem sido a institucionalização dos legítimos movimentos populares em defesa da educação, tratando-se de uma forma sui generis de privatização, fundamentada na imposição da lógica liberal. Atualmente, tenho pesquisado as transformações sofridas pela pedagogia da educação popular durante esse período histórico, analisando a possível instrumentalização da pedagogia freireana pelo ideário das reformas educacionais em curso, fundamentadas no aprender a aprender, que tem como grande marca a perda da especificidade do trabalho educativo, qual seja, nos dizeres de Saviani: “produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens. Assim, o objeto da educação diz respeito, de um lado, à identificação dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que eles se tornem humanos e, de outro lado e concomitantemente, à descoberta das formas mais adequadas para atingir esse objetivo”. Ao que parece, socializar a escola como instrumento de humanização não está na agenda do capital, o que nos faz entender o esvaziamento de conteúdo da escola pública, expressão do processo cada vez mais acentuado de privatização, sobretudo, do saber elaborado, perpetuando-se a divisão do trabalho sobre os moldes capitalistas.

Tecendo em Reverso - Como ocorrem as políticas neoliberais na educação brasileira?

MARCOS LIMA -Em síntese: de um lado a reestruturação flexível do trabalho escolar anteriormente citada, por outro a hegemonização da “pedagogia do aprender a aprender”, substrato pedagógico do que Newton Duarte chama de “sociedade das ilusões”. Todo o conhecimento histórico e acúmulo de experiências na trajetória humana perderam a centralidade para um eterno presente, ao qual basta o desenvolvimento de “habilidades” e “competências”, tendo os indivíduos que responder às necessidades de um mercado de trabalho cada vez mais competitivo. Um dos elementos presentes na teoria da produção capitalista de Marx é a concorrência, pertencendo à essência mais íntima do capital, que busca ocultar sua verdadeira base, fundamentada na exploração do trabalho. Portanto, trata-se de um sofisma o pilar “aprender a viver com os outros”, posto que, ao atingirmos patamares tão elevados de tecnologia, capazes de ampliar cada vez mais o tempo livre para os homens desenvolverem a totalidade de suas capacidades, a única justificativa para a manutenção da concorrência é a tentativa ensandecida do capital recuperar sua taxa de lucro, após as décadas de crise.

Tecendo em Reverso - Qual é o papel da “sociedade civil” nos movimentos populares?

MARCOS LIMA - Primeiramente, é necessário desmistificar o conceito de sociedade civil. A partir do processo de “transição tutelada”, orquestrado pelos militares, a partir de meados da década de 1970, esse conceito, juntamente com o conceito de cidadania, adquiriu um lugar de destaque, não somente no léxico dos reformadores neoliberais, pois grande parte da esquerda de forma licenciosa passou a utilizá-lo. À luz das pistas deixadas pela obra de autores como Armand Dreifuss, minha pesquisa demonstra que a dicotomia Estado/sociedade civil não colabora para o entendimento do processo histórico que resultou na “satanização” do Estado e hipertrofia da sociedade civil, ou, como diz Carlos Montaño, na transição da lógica do Estado para a lógica da sociedade civil. Tal dicotomia oculta o processo de expansão e controle dos conflitos sociais pelo Estado. Setores conservadores da sociedade civil não somente participaram do golpe de 1964 como colaboraram ativamente na construção do consenso a partir da década de 1980, dissimulando-se a luta de classes através da ação estratégica do “terceiro setor”. Destituindo-se de centralidade a categoria da luta de classes, o conceito de sociedade civil se torna um nebuloso emaranhado de interesses difusos que não permitem a percepção da totalidade concreta que é o sistema capitalista.

Tecendo em Reverso - A militante boliviana Domitila Chungarra é mencionada na sua dissertação como um exemplo de luta frente às estratégias do capital. Como ocorre a articulação feminina dentro do movimentos sociais contemporâneos?

MARCOS LIMA - Domitila faleceu em 2012, momento em que minha pesquisa era concluída. A referência a essa militante colabora para o enfrentamento da lógica anteriormente descrita.  Primeiramente, pelo fato de que o enfrentamento desenvolvido pelo Comitê de Donas de Casa do Distrito Mineiro Século XX, do qual Domitila era integrante, articula fundamentalmente a libertação das mulheres à libertação sócio-econômica, política e cultural do povo. Movimentos sociais populares brasileiros como o Movimento dos Sem Terra, à semelhança dos mineiros bolivianos, buscavam em meados da década de 1980 relacionar a luta das mulheres com a luta mais geral da classe trabalhadora. Ainda que a questão feminina tenha suas especificidades, não se desarticula da luta contra a exploração capitalista, superando os limites da emancipação ancorada no acesso ao mercado e o fim da opressão masculina. A partir dos anos de 1990, Nancy Frase, feminista norte-americana, tem se destacado no mundo acadêmico como defensora do cruzamento das questões referentes ao “reconhecimento” e as questões “redistributivas” (próprias do socialismo). Homens e mulheres devem lutar em uníssono contra as mazelas do sistema capitalista que potencializam a exploração não somente destas últimas, como também de negros, imigrantes, crianças, homossexuais etc. É preciso cuidado ao analisar os tais “novos movimentos sociais”, pois o que se apresenta com a roupagem democrática da defesa dos direitos das “minorias” pode incorrer na fragmentação das lutas sociais desenvolvidas pelos setores subalternos, fragilizando-se a luta da classe trabalhadora. No que se refere à educação especificamente, penso que a luta pela escola pública desenvolvida pelos defensores da pedagogia histórico-crítica de Dermeval Saviani se constitui em um elemento estratégico para a articulação das diferentes lutas. A construção de uma escola pública de qualidade, fundamentada no trabalho como principio educativo, deve subsidiar a compreensão da totalidade social, ao mesmo tempo em que a prática social ancorada na realização dessa tarefa pode possibilitar a emergência de um novo individuo, cujos interesses coincidam com as necessidades do gênero humano e sua busca pela omnilateralidade.  A questão feminina deve ser articulada a essa estratégia, posto que ao capital é até admissível a inserção das mulheres no mercado de trabalho, desde que não dominem a complexidade do processo produtivo e mantenham a concorrência entre os diferentes segmentos.

Abraços,

Juliana Gobbe

sábado, 30 de novembro de 2013

Gramsci em pauta.


Na última 5ªfeira ocorreu na Faculdade de Educação da Unicamp uma mesa redonda sobre o filósofo italiano Antonio Gramsci.
Na ocasião o professor emérito da Instituição Dr. Dermeval Saviani e seus convidados: Dr. Paolo Nosella e Dr. Leandro de Oliveira Galastri mediados pelo também professor da Unicamp: Dr.José Claudinei Lombardi discutiram  o vigor do pensamento gramsciano na atualidade.
Após o debate aconteceu o lançamento do livro: Gramsci no limiar do século XXI.
O evento foi organizado pela coordenadora do HISTEDBR_Unicamp:Dra. Mara Regina Jacomeli em parceria com o Dr. Eraldo Leme Batista.



    Após a apresentação dos convidados feita pelo Dr.José Claudinei Lombardi o Dr. Dermeval Saviani discorreu sobre a influência da obra gramsciana na pedagogia.
       



                     Na foto acima o Dr. Eraldo Leme Batista um dos organizadores do evento.

Dica de Leitura:


terça-feira, 19 de novembro de 2013

MESA REDONDA: GRAMSCI NO LIMIAR DO SÉCULO XXI


No dia 28 de novembro de 2013, o grupo de estudos e pesquisas: HISTEDBR promoverá um debate na Faculdade de Educação da Unicamp às 15:00hrs. O evento contará com a participação do Professor Emérito: Dermeval Saviani e convidados. Na ocasião também será lançado o livro: Gramsci no Limiar do Século XXI.


DEBATETORES:
Dr. Dermeval Saviani
Doutor em Filosofia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1971). Livre-docente e Professor Titular de História da Educação da UNICAMP. É Professor Emérito da UNICAMP, Pesquisador Emérito do CNPq e Coordenador Geral do Grupo de Estudos e Pesquisas "História, Sociedade e Educação no Brasil" (HISTEDBR).
Dr. José Claudinei Lombardi (Mediador)
Doutor em Filosofia e História da Educação, pela Universidade Estadual de Campinas (1993) e livre-docência em História da Educação na Faculdade de Educação da Unicamp. Atualmente é professor livre-docente da Universidade Estadual de Campinas. É coordenador executivo do Grupo de Estudos e Pesquisas "História, Sociedade e Educação no Brasil" (HISTEDBR)
Dr. Paolo Nosella
Doutor em Filosofia da Educação na PUC/SP, respectivamente, nos anos de 1977 e 1981. Professor titular em Filosofia da Educação na Universidade Federal de São Carlos/SP, onde trabalhou desde 1979 nos cursos de Pedagogia, Mestrado e Doutorado em Fundamentos da Educação. Nesta, foi Diretor do Centro de Educação e Ciências Humanas (1980-1984), Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação (1999-2000), Chefe do Departamento de Educação (2002-2005). Atualmente, como Pesquisador Sênior do CNPq, desenvolve um projeto sobre Ensino Médio: formação ou profissionalização? . É líder do Grupo de Pesquisa- GRUPISTED: Grupo de Pesquisa em Instituições Educativas.
Dr. Leandro de Oliveira Galastri
Doutor em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em 2011. Atualmente é professor pesquisador da Universidade Federal de Alfenas (Unifal-MG), Instituto de Ciências Humanas e Letras (ICHL). No momento desenvolve pesquisa sobre a questão das classes sociais e grupos subalternos na obra de Antonio Gramsci, com ênfase na relação entre esses e a reprodução das instituições do Estado capitalista.

Abraços,
Juliana Gobbe

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Os grandes nomes da História da Educação no Brasil.

Na semana dos professores, a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo destaca os cinco principais nomes da História da Educação no Brasil, dentre eles, encontram-se Anísio Teixeira e Dermeval Saviani.

domingo, 15 de setembro de 2013

A educação profissional no Brasil.






A editora Alínea traz ao público brasileiro a 1ª edição do livro: A Educação Profissional no Brasil: história, desafios e perspectivas para o século XXI organizado por: Eraldo Leme Batista e Meire Terezinha Müller com prefácio de José Luís Sanfelice.
Os organizadores debruçaram-se sobre questões importantes relacionadas ao mundo do trabalho, tais como: formação institucionalizada do trabalhador e seus pressupostos ideológicos e culturais, bem como as relações sociais mediadas por exploradores e explorados face ao sistema capitalista.
O livro é um convite ao debate dentro e fora das escolas brasileiras pela relevância do tema abordado. Leitura recomendada.

Abraços,

Juliana Gobbe

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Uma didática para a pedagogia Histórico-Crítica


O livro Uma didática para a Pedagogia Histórico-Crítica de João Luiz Gasparin foi distribuido para todas as escolas do estado de São Paulo através da Secretaria da Educação no projeto Leituras do Professor. Para além da angústia conformista que muitas vezes se encerra entre as paredes da sala de aula, ora culpabilizando professores, ora alunos o  autor propõe uma didática interligada com a prática social dos educandos num movimento dialético de percepção do contexto histórico na prática educativa.
Leitura Recomendada.

Abraços,
Juliana Gobbe

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

RESENHA: EDUCAÇÃO E ENSINO NA OBRA DE MARX E ENGLES, DE JOSÉ CLAUDINEI LOBARDI. CAMPINAS, SP: ALÍNEA, 2011. 256 P.
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            Após anos de intensas pesquisas José Claudinei Lombardi publicou no ano de 2011 a obra Educação e ensino na obra de Marx e Engels. Texto derivado de sua livre docência pela Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (FE-UNICAMP), o livro está editado pela Alínea, na cidade de Campinas-SP. No geral, o trabalho pretende colaborar com a crítica das atuais transformações político-ideológicas que vêm ocorrendo nas universidades “públicas” do Estado de São Paulo, notadamente neoliberais (elitistas, privatizantes e antimarxistas). Para além das críticas ao atual sistema, o livro também objetiva auxiliar os educadores no empreendimento de uma ruptura com a educação burguesa, vislumbrando a possibilidade de o proletariado conduzir, no futuro, sua educação de forma autônoma e liberta.
            Logo nas primeiras linhas da introdução, o autor assume sua filiação marxista ao afirmar que é impossível pensar a educação de forma abstrata e separada da vida social. Na realidade, para compreender a educação (e o ensino) é fundamental articular estas ao modo de produção da vida material por meio do materialismo dialético.
            Nesse sentido, de acordo com Lombardi, não podemos entender a educação ou qualquer outra esfera da vida social descoladas do contexto histórico em que surgem e se desenvolvem. Foi assim que “Zezo” como o autor é popularmente conhecido abre o primeiro capítulo do livro denominado: “Iluminismo e enciclopedismo: luzes, progresso e revolução”. Nesta parte, ocorre uma contextualização do período histórico em que surgiu o pensamento de Marx e Engels, informações que são essenciais para se entender as formulações que os comunistas fizeram acerca da educação.
            Expondo a sua concepção teórico-metodológica da História, por meio dos escritos de Marx e Engels, Lombardi escreveu o capítulo 2: “Minhas referências de análise, as balizas do marxismo”. Neste trecho, são analisados os pressupostos da concepção materialista dialética da História, o que implica trabalhar com três categorias fundamentais: “Revolução”, como o processo de transformação das estruturas econômica, social e política (seja de um modo-de-produção ou de um regime social); “Luta de classes e esta como motor da História”, onde não existe solução na conciliação ou dialogo e sim no sangrento embate entre as classes antagônicas e a “Violência e leis do desenvolvimento da história humana”.
            Adentrando-se no terceiro capítulo: “A categoria modo de produção e o princípio da união entre ensino e trabalho”, Lombardi analisa as relações entre a educação e seus profissionais, entendendo que este campo não foi constituído por meras ideias subjetivas, abstratas, sobrenaturais ou místicas, mas em consonância com os aspectos materiais e objetivos, que correspondem às forças produtivas e relações de produção articuladas aos diferentes modos e organizações de produção, historicamente construídas pelos homens e particularmente consolidadas nas mais diferentes formações sociais.
            Assim, compreender a História da Educação é analisar o processo histórico de transformação das relações do modo de produção e a educação, aspectos explorados no capítulo 4: “Análise marxiana sobre educação no modo capitalista de produção”.  Em decorrência dos objetivos do capital, a educação que o Estado burguês destina à classe trabalhadora é extremamente precária, aparecendo como mera exigência legal, graças às lutas e reivindicações proletárias ou como “regulação” da burguesia, que por meio da instrução, ideologiza a exploração capitalista como algo “natural”. Ademais, a revolução industrial capitalista aprofundou a divisão e a simplificação do trabalho, repercutindo na falta de importância que a burguesia passou a depositar na qualificação dos operários, ou seja, para se apertar botões não existem grandes necessidades de instrução[1].
            O capítulo cinco é reservado ao estudo que Lombardi fez acerca do “Trabalho e instrução das crianças trabalhadoras”, onde é destacado um cenário de ignorância e analfabetismo, tanto entre os professores das escolas populares como entre os operários. Nesse quadro social, na Inglaterra do início do século XX, os trabalhadores eram “banidos” do acesso à cultura clássica, que constituída coletivamente na História da humanidade foi apropriada e acumulada, de forma privada, pela burguesia que, enquanto classe dominante, boicotava aos trabalhadores o acesso a estas informações por temor de seus efeitos “perigosos” ou “subversivos” ao status quo. Já a demanda que os proletários tinham por educação para seus filhos produzia um efeito “artificial”, pois, a longa jornada de trabalho das crianças impossibilitava o aproveitamento escolar[2]
            Após discorrer sobre a precária educação da classe trabalhadora, a última parte da obra é baseada em “encaminhamentos” expressos no capítulo 6: “Fundamentos da proposta pedagógica comunista - Marx e Engels”. Aqui se encontram as propostas que os comunistas fizeram para a educação dos trabalhadores de sua época. Entre as principais “bandeiras” estavam: o fim da exploração capitalista das crianças que trabalham nas fábricas; junção entre educação e formação e produção material; educação politécnica que desenvolva a omnilateralidade nos homens, o que envolve uma formação articulada entre exercícios mentais, físicos e técnicos, configurados conforme a idade das crianças, jovens e adultos; indissociabilidade da educação e da política; união entre tempo livre e o tempo de trabalho, ou seja, o trabalho, o estudo e o lazer.
            Estas “bandeiras” para a educação foram entendidas como fundamentais instrumentos de desalienação dos trabalhadores, e, portanto, um meio para encravar a revolução proletária. Para esta estratégia também era fundamental exigir uma educação estatal, gratuita, laica, obrigatória e universal, aspectos da ideologia socialista que foram apropriados pela burguesia na sua luta política e ideológica contra o proletariado. 
            Em linhas gerais, o livro corre de forma clara, didática e sem neutralismos, onde Lombardi colabora com uma atitude propositiva. Para o autor, em tempos de defesa apologética da irracionalidade, da subjetividade, do fragmentário, do microscópio, da ideia e do particular, os educadores não possuem motivos para ficar na retaguarda, “[...] precisamos resgatar as armas teóricas de um ponto de vista que vislumbre a materialidade [...]” (p. 239), a objetividade, a racionalidade revolucionária e a totalidade histórico-social.

Rodrigo Molina
Historiador e doutorando em Educação na Universidade Estadual de Campinas. Pertencente ao grupo de estudos "História, Sociedade e Educação no Brasil" (HISTEDBR).
  




[1] A exceção da regra é a formação especializada dos “capatazes”, um diminuto pessoal encarregado do controle e gerenciamento dos processos produtivos.
[2] Contemporaneamente, Lombardi entende que a estrutura desse sistema de exploração não se alterou

Esta resenha foi publicada pela primeira vez na Revista Germinal: Marxismo e Educação em Debate em 2012.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Entrevista: Eraldo Leme Batista




Dando início ao ciclo de entrevistas com os pesquisadores da educação no Brasil, o blog Tecendo em Reverso entrevistou o Profº Drº Eraldo Leme Batista que defendeu no início deste ano na Unicamp sua tese de doutorado com o tema : Trabalho e educação profissional nas décadas de 1930 e 1940 no Brasil: análise do pensamento e das ações da burguesia industrial a partir do IDORT.
A tese contou com a orientação do renomado Profº Drº José Luís Sanfelice (Unicamp).
Na entrevista o pesquisador discorreu sobre a criação do IDORT (Instituto de Organização Racional do Trabalho), a atuação do Estado Novo em relação aos movimentos sociais à época e como se deu a cooptação dos trabalhadores pela burguesia.
O blog Tecendo em Reverso agradece Eraldo Leme Batista por esta valiosa contribuição para a educação brasileira.



Tecendo em Reverso - Em que cenário sócio e econômico se deu a criação do IDORT (Instituto de Organização Racional do Trabalho) no Brasil?

ERALDO LEME BATISTA - Em 1929, aprofunda-se crise econômica mundial, com a quebra da bolsa de valores de Nova York, essa crise mundial afetou o comércio e a indústria no Brasil, contribuindo para o aumento do desemprego e das péssimas condições de trabalho no país. Outra crise desencadeada no país foi a sucessão presidencial de 1930 que, por diversas denúncias de fraudes, levou a um conflito político que só teve resolução com a condução de Vargas ao poder. Em três de novembro daquele, Vargas toma posse como presidente provisório do novo governo.
A disputa pelo poder em 1930, a subida de Vargas ao governo central e as suas acirradas disputas com a burguesia paulista demonstravam as divergências que existiam entre as frações da classe dominante, notadamente, entre fazendeiros e industriais paulistas, que se organizaram e buscaram construir sua hegemonia enquanto fração de classe, a partir do ideário industrialista e inspirado nas teses tayloristas. Foi neste contexto político que os industriais criam o IDORT em 1931.

Tecendo em Reverso - Na sua tese lemos: “Nesse processo de transição pelo “alto” ocorrido em 1930. [...] houve a exclusão de qualquer participação operária na direção econômica, social ou política do país”... Como reagiram os sindicatos e as lideranças operárias? Houve luta ideológica pela hegemonia?

 ERALDO LEME BATISTA - Entendo que foi um processo político, de mudanças na sociedade, com pactos entre as frações de classe burguesa, sem participação dos trabalhadores.  As transformações do trabalho no Brasil não ocorreram de forma pacífica, aceitável ou mesmo com a submissão dos trabalhadores. O surgimento das indústrias, a concentração cada vez maior de habitantes nas maiores cidades do país, os crescentes problemas sociais (falta de moradia e de trabalho, saúde pública precária) e as péssimas condições de trabalho, mais a intensa exploração da força de trabalho no espaço fabril, contribuíram para que os trabalhadores organizassem movimentos contestatórios, pelos principais centros urbanos do país. 
Quero observar que houve resistência dos trabalhadores, disputa política e ideológica por uma sociedade justa. Disputa acirrada de hegemonia nos anos 20 e 30, levando o Estado a intensificar a repressão, tanto ao Partido Comunista, como as organizações sindicais dos trabalhadores.




Tecendo em reverso - De que modo o Estado Novo atuou  em relação aos movimentos sociais?  Getúlio Vargas inspirou-se no fascismo italiano de Benito Mussolini?

ERALDO LEME BATISTA - Entendemos que sob o Estado Novo, a burguesia industrial, visualiza seus interesses concretizados, pois os trabalhadores e movimentos sociais “indesejáveis” são tratados com repressão pelo Estado. Vargas tem projeto autoritário de poder, foi um líder antidemocrático e não mediu esforços para reprimir a luta dos trabalhadores e para perseguir as lideranças comunistas. Sob o Estado Novo, os trabalhadores e lideranças “indesejáveis”, eram presos, torturados e assassinados, sendo que os estrangeiros eram deportados para seus países de origem. 
Vargas era anticomunista e sua relação com os nazistas e fascistas, contribuiu para torná-lo ainda mais autoritário e repressor.

Tecendo em Reverso - Como ocorreu a  “cooptação” dos trabalhadores pela burguesia à época?

ERALDO LEME BATISTA - Ao mesmo tempo que reprime os movimentos grevistas, contestatórios, coopta os industriais para seu projeto de governo, implementando políticas em prol da industrialização, vai introduzindo políticas de cooptação, também dos trabalhadores. Implementava políticas que visassem tal cooptação, intensificando também o discurso ideológico de uma sociedade harmônica, sem classes, na qual todos estariam do mesmo lado, não existindo patrões e operários, mas empregados e empregadores. Vargas defende uma proposta de um sindicalismo que defendesse a conciliação de classes e contribuísse para harmonia de interesses entre capital e trabalho. Neste sentido, afirmo que foi o Estado que gestou todo o processo de cooptação dos trabalhadores, beneficiando a indústria, reduzindo consideravelmente, principalmente durante o Estado Novo, as lutas sociais.


Tecendo em Reverso - Sabe-se que desde sua criação em 1.922 o PCB (Partido Comunista Brasileiro) também conhecido como “Partidão” estabeleceu uma oposição ao pensamento burguês. Qual foi o papel deste partido na organização da classe trabalhadora brasileira?


ERALDO LEME BATISTA - Entendemos que a fundação do Partido Comunista do Brasil, foi um marco na história do comunismo no país, além de ter se tornado um marco para o  movimento operário. Foi fundamental no processo de organização da classe trabalhadora brasileira nesse período. Partido que surge em 1922 e passa a desenvolver trabalho político na organização dos trabalhadores. Este partido entendia e defendia a importância da luta política, não ficando apenas no campo da ação sindical, confrontando-se com a burguesia na disputa pelo controle do Estado, além de confrontar-se com o principal movimento de direita do período, que foi o movimento dos integralistas.



Abraços,
Juliana Gobbe





quarta-feira, 5 de junho de 2013

terça-feira, 4 de junho de 2013

Site sobre educação



A página do boletim Pensar a Educaçao em Pauta foi  criada pela equipe do Projeto Pensar a Educação Pensar o Brasil - 1822/2022,  para divulgar textos que fomentem o debate público sobre a educação.

O endereço é: http://www.pensaraeducacaoempauta.com

sexta-feira, 24 de maio de 2013


XI Jornada do HISTEDBR


terça-feira, 14 de maio de 2013


APONTAMENTOS PEDAGÓGICOS SOBRE ALIENAÇÃO, EDUCAÇÃO E TRABALHO



José Luís Sanfelice[1]




Considerei muito oportuna a temática da presente coletânea. Ao tomar conhecimento dela me senti não só provocado, mas um tanto reconfortado quanto ao sentimento de impaciência que vinha me afligindo e que manifestei em várias ocasiões. Por que quase não se ouve mais nada, ou não se encontra escritos recentes, sobre o conceito de alienação? Outro dia comentei em forma de indagação em uma rede social: não existe mais a alienação e em decorrência o conceito é somente um registro histórico?
Já com a preocupação de elaborar estes apontamentos me deparei com duas afirmações que em parte responderam minha inquietação: a primeira era incisiva ao afirmar que o interesse pelo conceito de alienação, tal como fora utilizado por Marx, decaira nos últimos anos (OUTHWAITE & BOTTOMORE, 1996). Nenhuma razão foi indicada e deduzi que pode ter sido uma decorrência do refluxo geral do marxismo nos tempos das teorias pós-modernas. Refiro-me aos marxistas uma vez que o conceito de alienação foi debatido por muitos de seus autores e, claro, não de forma exclusiva.
A segunda afirmação remetia à difusão da problemática da alienação lá para os anos 50 e 60 do século passado quando surgiram os escritos de Lukács e Korsch. Uma explicação foi dada: o marxismo da Segunda Internacional, apesar de conhecer parte dos escritos inéditos de Marx, não atribuiu importância ao conceito de alienação e, apesar da publicação dos Manuscritos de Marx em 1932 e dos Grundrisse em 1939-41, o conceito continuou estranho ao marxismo-leninismo da Terceira Internacional uma vez que as preocupações se voltavam para a crise geral do capitalismo. A retomada da problemática conceitual do nexo alienação-fetichismo-reificação teria sido à margem das correntes principais da tradição marxista e, com frequência, pelos críticos delas. (BOBBIO, MATTEUCCI, PASQUINO, 2004, p. 22).
Da minha parte estou podendo recordar que pelos anos 70, também do século findo, quando me encontrava em processo de formação no curso de Filosofia e depois no mestrado em Filosofia da Educação, que a temática da alienação era bastante corriqueira nos debates e na literatura utilizada.
Quero crer que para as gerações mais jovens o uso da palavra alienação é quase sempre um pejorativo sem maiores consequências. Considera-se que fulano ou beltrano são alienados e pelas razões mais incríveis possíveis. É só atentarmos para as situações em que a palavra é pronunciada e veremos que tenho razão. Decorre, então, dessa constatação, a minha proposta de elaborar aqui Apontamentos pedagógicos. Vou em busca do intento.
Inicialmente pode-se descobrir que o vocábulo alienação em português é derivado do latim. O verbo alienar pode ter tido uma origem econômica antes que filosófica e provavelmente, na antiguidade, designava a venda ou troca de produtos ou escravos. Em sentido figurado alienação pode significar embelezamento e a palavra é usada no contexto religioso e artístico (GIUDICI, 1974, p. 101). Em sentido jurídico e acompanhando as origens do termo significa venda ou cessão de algo. Por metáfora a alienação pode designar o estado em que se encontra quem pertence a um outro (LALANDE, 1966).
Ainda, como registra o dicionário (HOUAISS, 2001), na linguagem informal a alienação pode ser a indiferença aos problemas políticos e sociais, uma desorientação quanto ao comportamento e às convicções pessoais ou uma sensação de absurdo existencial. A alienação mental designa, por exemplo, a perturbação do sentimento de identidade, a perda da razão ou a loucura. Enfim, as possibilidades de se encontrar a palavra alienação nos sentidos figurado, jurídico, metafórico, informal ou psicológico são imensas. Uma rápida busca na Internet confirma a constatação, inclusive com a indicação de grande quantidade de escritos. Por outro lado, surpreende a quase ausência de produção, referente a alienação, pelo campo da filosofia ou da educação. A minha impaciência, anunciada acima, parece realmente proceder.
É importante notar que embora a problemática da alienação possa ter sido fortemente marcada pelos marxistas, o conceito teve usos importantes como termo filosófico em precursores. Diz-se que o uso da palavra nem sempre se aproximou do que passou a significar no pensamento de Hegel e Marx e que muitos autores expressaram a idéia da alienação sem usar a palavra. Há quem afirme que a doutrina cristã do pecado original é uma das primeiras versões da história da alienação. O conceito de idolatria no Velho Testamento seria uma outra das suas expressões.

A relação entre os seres humanos e o Logos, em Heráclito, também pode ser analisada em termos de alienação. E alguns comentaristas sustentaram que a origem da concepção que Hegel tinha da natureza como forma auto-alienada do Espírito Absoluto pode ser encontrada na interpretação de Platão do mundo natural como uma imagem imperfeita do nobre mundo das idéias. Na época moderna, a terminologia e a problemática da alienação encontram-se especialmente nos teóricos do Contrato Social (BOTTOMORE, 19097, p. 5).

Com o uso ou não da palavra alienação, a idéia do Contrato Social elaborada por Grotius, Hobbes e Locke pode ser vista no campo dos significados da alienação e desalienação. O Contrato Social seria uma alienação parcial deliberada em busca, por exemplo, de uma maior segurança. Entretanto, antecedendo Hegel, Rousseau seria o autor de um pensamento ao qual mais se poderia aplicar e compreender em termos de alienação e desalienação.

Para mencionarmos apenas dois entre os aspectos mais relevantes, a oposição estabelecida por Rousseau entre o homem natural (l’homme de la nature, l’homme naturel, le suavage) e o homem social (l’homme policé, l’homme civil, l’homme social) poderia ser comparada com a oposição entre o homem não-alienado e o homem auto-alienado, e o projeto rousseauniano de superação da contradição entre a volonté générale e a volonté particulière pode ser considerado como um programa para a abolição da alienação. Mas apesar de todos os precursores, e de Rousseau inclusive, a verdadeira história filosófica da alienação começa com Hegel. (id., ibid).

E, apesar da importância da contribuição de Hegel para a configuração da problemática da alienação, sinalizo apenas uma modestíssima síntese da sua concepção.

Em um sentido básico, o conceito de auto-alienação aplica-se, em Hegel, ao Absoluto. A Idéia Absoluta (Espírito Absoluto), que para ele é a única realidade, é um Eu dinâmico envolvido em um processo circular de alienação e desalienação. Torna-se alienado de si mesmo na Natureza (que é a forma auto-alienada da Idéia Absoluta) e volta de sua auto-alienação no Espírito Finito, o homem (que é o Absoluto no processo de desalienação). A auto-alienação e a desalienação são, dessa maneira, a forma do Ser do Absoluto (id., ibid.).
Há outros desdobramentos do conceito na obra de Hegel que foi criticado por Feuerback.

Para Feuerback , o homem não é Deus auto-alienado, mas Deus é o homem auto-alienado: é apenas a essência abstraída do homem, absolutizada e dele distanciada. Assim, o homem aliena-se de si mesmo ao criar e colocar acima de si um ser superior estranho e imaginado, e ao curvar-se ante ele, como escravo. A desalienação do homem consiste na abolição daquela imagem ‘estranhada’ do homem que é Deus (BOTTOMORE, 1997, p. 6).

E Feuerbach foi criticado por Marx que mesmo concordando com a alienação religiosa, ressaltava ser ela apenas uma das formas da alienação humana. O homem, na prática, se aliena, com suas atividades, na filosofia, no senso comum, na arte, na moral, na produção de mercadorias, no dinheiro, ao capital, ao Estado, às instituições sociais quando os objetos-produtos do próprio homem se tornam separados dele e independentes, poderosos, o tornam como um escravo impotente. São múltiplas as formas de alienação mas, ao término, uma única e mesma coisa. Entretanto, quero crer que o eixo central da alienação, para Marx, esteja diretamente ligado à sua leitura histórica do trabalho humano alienado e expresso pela condição concreta do trabalhador na sociedade de modo-de-produção capitalista. São as suas premissas arroladas nos Manuscritos econômico-filosóficos que me induzem à idéia.

O trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais a sua produção aumenta em poder e extensão. O trabalhador se torna uma mercadoria tão mais barata quanto mais mercadorias cria. Com a valorização do mundo das coisas (Sachenwelt) aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens (Menschenwelt). O trabalho não produz somente mercadoria, ele produz a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e isto na medida em que produz, de fato, mercadorias em geral (MARX, 2004, p. 80).

Desdobra-se das premissas acima uma profunda reflexão histórico-dialética contundente.

Este fato nada mais exprime, senão: o objeto (Gegenstand) que o trabalho produz, o seu produto, se lhe defronta como um ser estranho, como um poder independente do produtor. O produto do trabalho é o trabalho que se fixou num objeto, fez-se coisal (sachlich), é a objetivação (Vergegenständlichung) do trabalho. A efetivação (Verwirklichung) do trabalho é a sua objetivação. Esta efetivação do trabalho aparece ao estado –nacional-econômico como desefetivação (Entwirklichung) do trabalhador, a objetivação como perda do objeto e servidão ao objeto, a apropriação como estranhamento (Entfremdung), como alienação (Entäusserung) (id., ibid.).[2]
Sánchez Vazquez (1968) interpreta que Marx aprendeu que o trabalho humano é a fonte de todo valor e de toda a riqueza. Uma fonte, portanto, subjetiva. Daí a radicalidade da investigação que vê o trabalhador negado como ser humano e reduzido a um meio produtivo para o capital ou para o capitalista. E os objetos da produção não são apropriados pelo trabalhador que os produz e que também neles não se reconhece. Os objetos tornam-se alheios, independentes e ficam dotados de certo poder.

A exteriorização (Entäusserung) do trabalhador em seu produto tem o significado não somente de que seu trabalho se torna um objeto, uma existência externa (äussern) mas, bem além disso, [que se torna uma existência] que existe fora dele (aussern ihm), independente dele e estranha a ele, tornando-se uma potência (Macht) autônoma diante dele, que a vida que ele concedeu ao objeto se lhe defronta hostil e estranha (Marx, 2004, p. 81).

Mas o estranhamento do trabalhador não se dá apenas com relação aos produtos resultantes da objetivação do seu trabalho a partir do que a natureza lhe oferece. O estranhamento se dá também, e principalmente, no ato da produção, dentro da própria atividade produtiva uma vez que de primeira necessidade para o ser humano tornou-se atividade sob coação. Em escala crescente o estranhamento é para com a própria essência humana, pois a objetivação dos homens encontra-se degradada e transformada em atividade instrumental (para o capital) com uma existência particular. E, por último um estranhamento de cada homem para com os demais e de todos para cada um tendo em vista os antagonismos entre o trabalho e o capital (propriedade privada).
Após as indicações acima, registre-se que ocorreram muitas controvérsias depois que as obras de Marx foram divulgadas. As controvérsias traduzem várias interpretações da problemática da alienação e se originam já na complexidade semântica da cultura filosófico-política moderna na qual o conceito tem sido usado e avançam, por exemplo, com as discussões sobre o jovem/velho Marx e o conjunto da sua produção.
Gostaria de apenas tangenciar algumas breves indicações. Há, em Marx, um aprofundamento da análise do estranhamento em a Ideologia Alemã (1845-46) e a interpretação de que em sua obra mais madura não se encontram referências consistentes à Alienação é bastante polêmica. Para alguns intérpretes muitos escritos do velho Marx expressam formas da alienação. Quanto ao uso mais geral do conceito, ele é contemplado, apenas lembrando alguns filósofos, por Lukács, Marcuse e Sartre.
Nestes apontamentos não se pretende assumir o uso rigoroso do conceito de alienação em consonância com uma das suas versões. De ora em diante, vou me utilizar do conceito mais refletindo sobre algumas das possibilidades que ele nos oferece e que dentre tantas outras são:

A alienação, portanto, faz referência a uma dimensão subjetiva e juntamente a uma dimensão objetiva histórico-social. Neste sentido se fala: de Alienação mental como estado psicológico conexo com a doença mental; de Alienação dos colonizados enquanto sofrem e interiorizam a cultura e os valores dos colonizadores; de Alienação dos trabalhadores enquanto são integrados, através de tarefas puramente executivas e despersonalizadas, na estrutura técnico-hierárquica da empresa individual, sem ter nenhum poder nas decisões fundamentais; de Alienação das massas enquanto objeto de heterodireção e de manipulação através do uso das mass media, da publicidade, da organização mercificada do tempo livre; de Alienação da técnica como instrumento dos aparelhos para que funcionem segundo uma lógica de eficácia e de produtividade independente do problema dos fins e do significado humano de seu uso (BOBBIO, MATTEUCCI e PASQUINO, 2004, p. 20).
Nas indicações acima fala-se da “Alienação dos colonizados enquanto sofrem e interiorizam a cultura e os valores dos colonizadores”. Para ilustrar a afirmação lembro um pouco da história da colonização dos indígenas por terras americanas. No processo colonial como um todo deu-se o confronto entre duas sociedades, ou seja, a europeia e a nativa. A invasão, por aqui, foi de exploração, extermínio e sujeição. A mão-de-obra indígena e dos escravos negros era fundamental para os propósitos econômicos da época e na ótica de um modo-de-produção a ser expandido para além das suas fronteiras de origem. Praticamente todas as ações humanas, por mais escandalosas que fossem, segundo os princípios da própria cristandade, passaram a ser justificadas e validadas. O objetivo último era a acumulação de riquezas e da propriedade privada, mesmo que isso significasse dilapidar as colônias. Mas a população nativa e a escrava para cá transportada tinham que se encaixar e realizar os propósitos que não eram seus. “Triste” foi a hora em que o primeiro indígena ou o primeiro negro se ajoelharam perante um jesuíta e pediram perdão por ser indígena ou negro. Era um gesto que podia significar uma estratégia de sobrevivência, mas que simbolizava a negação da própria essência face a algo totalmente estranho. Podiam até ser premiados com um batismo, ritual de ingresso na nova cultura. Negar o seu próprio modo-de-produção, as suas práticas culturais, sociais e religiosas era uma forma de alienar-se ao outro, ao estranho. Pelo trabalho, é claro, aquela mão de obra objetivava o produto fruto dele, ou seja, a mercadoria que não lhe pertencia.
Mas, foi indicada também, na citação acima a “Alienação dos trabalhadores enquanto são integrados, através de tarefas puramente executivas e despersonalizadas, na estrutura técnico-hierárquica da empresa individual, sem ter nenhum poder nas decisões fundamentais”. É o que acontece na produção taylorista e toyottista. Desde o artesanato, passando pela manufatura, aos dias de hoje em que a produção é mundializada, cada vez mais os trabalhadores definem ou visualizam menos os fins últimos da sua atividade de trabalho, então do próprio trabalho, do produto parcelar que lhe é alheio, perdendo-se numa não relação com o trabalhador universal – uma abstração –, e consequentemente também uma não relação com a humanidade. Genericamente, trabalha-se para o capital – outra abstração – .O que o trabalhador indiano, chinês ou brasileiro tem em comum? Apenas e tão somente a objetivação e a alienação do trabalho. Quem se beneficia com isso? Genericamente, o capital que aparentemente abstrato, é de fato muito concreto/real.
Evidentemente a conotação que dei de abstração ao trabalhador universal e ao capital só é abstração na medida em que não se historicizar as categorias trabalho e capital. Ao se historicizá-las – as categorias – elas ganharão concretude. Mas sob a batuta do trabalho alienado universalizado a quem interessaria historicizar a relação capital x trabalho?
Outro ponto citado foi a “Alienação das massas enquanto objeto de heterodireção e de manipulação através de uso das mass media, da publicidade, da organização mercificada do tempo livre”.
Bem, a referência as massas é uma indicação a algo meio que sem identidade ou sem identidade nenhuma. As massas, fisicamente, podem ser manipuladas e podem ser (con)formadas. Dependendo da ação exercida sobre a massa ela adquire consistências ou formas variadas. Quem já viu fazer massa de pão, de pizza ou de concreto, tem bem idéia do que se trata a ação de obter uma massa. Mas, e quando se trata de massas humanas?
Lembremos então de um ritual pelo qual milhões de pessoas, independentemente da origem social delas, dos mais variados rincões do país, nas mais diferentes condições de moradias, em bares, restaurantes, cadeias e praças públicas se “ajoelham” perante telas de TV para assistirem novelas. As TVs, de certa maneira substituíram os jesuítas colonizadores, seus rituais religiosos e práticas educativas, então apresentados à população colonial. A TV é como se fosse, na missa, o sermão do padre ou, no culto, a prédica do pastor. Por meses e meses esses milhões de pessoas vão introjetando uma “história de novela” que se apresenta em capítulos diários. No dia após cada capítulo ocorre um burburinho geral de comentários do público e que são ouvidos em salas de aula, nos supermercados, nos aeroportos e aviões, nas lojas, nos bancos, nas favelas e em todos os cantos. As novelas induzem as mentes humanas para temas sobre os quais uma massa de pessoas gastará boas horas da sua atenção, pensamento e comunicação. É, também, como se fosse a batuta de um maestro que determina o comportamento da orquestra.
As pessoas embevecidas pelas novelas se esquecem, pelo menos momentaneamente, do cotidiano político, econômico, social, cultural e existencial. Mergulhar no mundo das novelas, disponíveis em muitos horários diários e estratégicos para a vida dos trabalhadores e famílias, é inserir-se em um “faz de conta” padrão e naturalizado. É ingressar num universo cultural, social, moral e ideológico estranho ao próprio e, por conseguinte, alheio. As novelas impõem estilos musicais que se tornam sucessos, ditam as modas de roupas, impõem produtos de consumo para a alimentação, divulgam hábitos de comportamentos e, no cerne das pessoas, constroem uma não realidade face, por exemplo, ao desemprego, aos salários paupérrimos, às condições de moradia, à falta de educação de qualidade e à ausência de políticas para a saúde. As massas frequentadoras das novelas são conduzidas ao torpor, ou pelo menos é isso o que se tenta, e são sempre cativadas, muito antes que uma novela chegue ao seu final, para que assistam a próxima. Fica muito difícil imaginar que a massa que se “ajoelha” perante as telas saia às ruas para propor uma revolução contrária à sociedade capitalista, mas não é difícil perceber que ela está sob controle mesmo quando usufrui o seu tempo livre e que isso se acresce ao controle que já ocorre no mundo do trabalho. É verdade que parte da massa não vê novelas porque vai às igrejas. Ai, não sei o que é “pior”, mas “pior” mesmo é quando as duas atividades se somam.
Resta comentar na citação a qual nos referimos anteriormente a afirmação sobre a “Alienação da técnica como instrumento dos aparelhos para que funcionem segundo uma lógica de eficácia e de produtividade independente do problema dos fins e do significado humano do seu uso”.
De um lado torna-se desnecessário apontar a imensa revolução tecnológica das últimas décadas e suas implicações em todos os campos e dimensões da vida humana. É simplesmente fantástico o número de possibilidades que se abriram à humanidade em decorrência dos novos conhecimentos e da aplicação deles em tecnologias revolucionárias que potencialmente podem ser usadas para as mais diferentes finalidades dentre elas a eficiência e a produtividade tão desejadas pelo modo-de-produção capitalista globalizado.
Bem, quando se trata de eficiência e produtividade desejadas pelo modo-de-produção capitalista globalizado, entenda-se que os fins e o significado delas se põe pela lógica dos interesses da concentração/ampliação do capital e da propriedade privada dos meios de produção. Ainda, se tal lógica continua assentada na expropriação do trabalho objetivado pela classe trabalhadora, o significado humano do seu uso é de alienação.
Posso, entretanto, ampliar a dimensão da alienação técnica para o consumo dos produtos que incorporam as tecnologias. Vejo com frequência em diferentes ambientes grupos de adolescentes ou jovens sentados à mesa ou no chão e de posse de vários celulares e outros aparelhos eletrônicos disponíveis individualmente. Eles pouco se falam e mais trocam olhares enquanto também degustam lanches do fast-food. Uns se encontram em redes sociais da Internet, outros jogam individualmente ou também em redes, há quem ouve alguma coisa em aparelhos de ouvidos e em geral todos fazem tudo ao mesmo tempo. Comem, jogam, mandam e recebem mensagens, escutam músicas, fazem caretas, emitem sons, palavrões, gírias e sorriem ou dão gargalhadas solitariamente. O grupo que ali está “antenado” ao mundo é alheio e estranho na relação de um jovem para com o outro. Claro, é um comportamento de grupo, mas de paupérrima ação comunicativa. Pelos recursos tecnológicos disponíveis as pessoas redefiniram a noção de tempo e espaço e se aproximaram e/ou se distanciaram? E a solidão daqueles que passam boa parte do tempo diário escravizados aos computadores que lhes oferecem milhões de possibilidades? E a submissão de quem necessita ter sempre o último lançamento tecnológico programado pelo Mercado apenas e tão somente dirigido pela lógica do ter e consumir?
Enfim não é seguro que a revolução tecnológica, com seus efeitos na produção de bens e no consumo de mercadorias, seja humanizadora numa sociedade capitalista. E isso, sem tratar aqui da dimensão relacionada ao aspecto que diz respeito ao controle dos conhecimentos que sustentam a revolução tecnológica. Mas, não se trata de atirar pela janela a criança e a água do banho que se encontram na bacia, pois é necessário reconhecer o potencial libertador da tecnologia para a humanidade, em uma lógica social que não se fundamente na exploração do trabalho e da sua alienação.
Posso afirmar agora que a causa fundamental da Alienação está sempre no mundo do trabalho estranho. A objetivação do trabalho no produto do trabalho é inevitável para a sobrevivência dos seres humanos. Não é possível viver sem trabalhar a menos que se viva do trabalho do outro (relação de classes que trabalham x classes que vivem do trabalho alheio, por exemplo). Sendo o trabalho a atividade humana determinante da existência, a sua realização em condições históricas de alheamento da própria atividade-trabalho, do produto do trabalho, de si mesmo e da relação com os demais homens, então, o trabalho alienado é a causa do amplo complexo de alienações que se manifestam nas dimensões filosóficas, culturais, políticas, técnicas, religiosas, morais e teóricas, dentre outras[3].
Evidentemente, no campo da luta revolucionária para superar a Alienação, trata-se de buscar as condições históricas de superar a sua causa, ou seja, superar qualitativamente as condições, também históricas, sob as quais o trabalho é alienado. É preciso pensar para além da sociedade do capital, do mercado e do consumismo. É preciso pensar e agir em consonância com um ideal de sociedade cuja essência estrutural seja superior a atual.
O filme A servidão moderna de Jean François Brient, só visível em circuitos alternativos e disponível na Internet, sugere de forma contundente as diferentes manifestações da Alienação nos dias de hoje e propõe maneiras de resistências. O rol de fenômenos analisados é grande e destaco alguns: a farsa da preservação ecológica entoada pelos países capitalistas centrais, os maiores poluidores e devastadores da natureza, que impõem a “conscientização” de cada um de nós para a solução do problema; a naturalização da violência física e moral, privada e pública, apresentada sempre como um desvio de conduta particular e não como resultante de toda a estrutura social; a vida cotidiana naturalizada em espaços urbanos sujos, barulhentos, poluídos, inseguros e que acabam sendo as prisões em que somos obrigados a viver sobre o controle do Estado e dos interesses privados; a vida em “jaulas” nas quais milhões de pessoas se instalam: favelas, morros, viadutos, prédios abandonados e terras devolutas; os artifícios das mensagens publicitárias que induzem ao consumismo que não responde às necessidades essenciais; o controle que os meios de comunicação exercem sobre as informações e as relações sociais reais; os alimentos que nos envenenam enquanto sugerem prazeres imediatos; a falsa abundância x a escassez compulsória; o stress da competição individualista em busca de um “lugar ao sol” que nunca brilhará e que só nos degrada; o uso da medicina comercial que prefere cuidar dos efeitos e não das causas das doenças; a submissão mística ao dinheiro, um novo deus; a crença na democracia representativa burguesa; o controle sobre crianças e adolescentes para que se tornem cada vez mais estúpidos e a construção de imagens para diferentes culturas e classes da sociedade. Enfim, um grande conjunto de situações alienantes decorrente da alienação do trabalho e ainda do não trabalho. Some-se a isso a lógica de um sistema mercantil totalitário que embala uma ideologia que penetra cada ser humano em cada um dos seus poros.
O que falar da educação para a alienação? Aquela educação para a domesticação e sujeição ao status quo; aquela educação para o trabalho alienado e que despolitiza a classe trabalhadora lançada a uma disputa cotidiana e individualista para a sobrevivência; aquela educação intencionalmente desqualificada da escola estatal oferecida ao povo; aquela educação orquestrada pelos organismos internacionais para ser executada pelos Estados nacionais. Sim, aquela educação que limita as pessoas às suas próprias contingências (aptidões, habilidades, flexibilidade, etc.). O que falar da máfia mercantil do livro didático? O que falar das condições precárias da profissão e do trabalho docente? A lista de indagações desafiadoras é infinita.
A sublimação da manifestação da alienação ocorre quando as pessoas se convencem ou são convencidas de que não há alternativa ao mundo atual. Alguma coisa como se tivéssemos chegado ao fim do processo histórico. Alguns até acham que é possível reformá-lo mas, não transformá-lo radicalmente.
Eu partilho, entretanto, de uma postura que é contrária à sociedade do império mercantil, à alienação e à intolerância. Divido minha utopia com todos os que defendem a emancipação humana e a superação histórica do modo-de-produção capitalista. Com esta explicitação estou querendo dizer que me interessa falar de revolução, de luta de classes, de destruição de poderes constituídos, de democracia direta, de educação emancipadora e de desalienação. Me interessa falar das ideologias neoliberais como adversárias aos propósitos que viso e da educação para a reprodução do status quo como um entrave a ser eliminado. De onde vem essa vontade? Da certeza que a sociedade capitalista é estruturalmente e logicamente incorrigível. Ou alguém acredita que o capital abrirá mão dos seus interesses?[4]
Concluo meus Apontamentos .... com a esperança de ter sido didático.



[1] Professor Titular em História da Educação. Aposentado e Professor Colaborador da UNICAMP/FE/DEFHE. sanfelice00@yahoo.com.br
[2] O tradutor dos Manuscritos econômico-filosóficos Jesus Ranieri (2004) destaca a distinção entre alienação (Entäusserung) e estranhamento (Entfremdung). Afirma que os conceitos aparecem em Marx com conteúdos distintos, vinculados, mas não como sinônimos. Alienação é remeter para fora, extrusar e objetivação humana no trabalho. Estranhamento é objeção sócio-econômica à realização humana. A unidade alienação-estranhamento diz respeito à determinação do poder do estranhamento sobre o conjunto das alienações ou exteriorizações humanas. As exteriorizações aparecem no interior do estranhamento.
[3] Cf. ANTUNES, C. S. Trabalho, Alienação e emancipação: a educação em Mészáros (2010). Campinas: Biblioteca Digital da UNICAMP. www.bibliotecadigital.unicamp.br
[4] Cf. MÉSZÁROS, I. A educação para além do capital. (2005). São Paulo: Boitempo.

Referências

ANTUNES, C. S. Trabalho, Alienação e emancipação: a educação em Mészáros. (2010). Campinas: Biblioteca Digital da UNICAMP. www.bibliotecadigital.unicamp.br
BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G. Dicionário de política. (2000). Brasília: Editora Universidade de Brasília; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.
BOTTOMORE, T. Dicionário do pensamento marxista. (1997). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.
GIUDICI, E. Alienacion, marxismo y trabajo intelectual. (1974). Buenos Aires: Editorial Crisis.
HOUAISS, A.; VILLAR, M. de S.; FRANCO, F. M. de M. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. (2001). Rio de Janeiro: Objetiva.
LALANDE, A. Vocabulário Técnico y crítico de La Filosofia. (1966). Buenos Aires: Libreria ‘El Ateneo’ Editorial.
MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos. (2004). São Paulo: Boitempo Editorial.
MÉSZÁROS, I. A educação para além do capital. (2005). São Paulo: Boitempo.
OUTHWAITE, W. & BOTTOMORE, T. Dicionário do pensamento social do século XX. (1996). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.
RANIERI, J. Apresentação. In: MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos. (2004). São Paulo: Boitempo Editorial, pp. 11-17.
SÁNCHEZ VÁZQUEZ, A. Filosofia da práxis. (1968). Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra.