Em Curso
do mundo o poeta alemão Heinrich Heine (1797-1856) escreveu:
Quem tem muito,logo,logo,
Muito mais vai ter ainda.
Quem tem pouco, até o pouco
Perde e fica na berlinda.
Contemporâneo de Karl
Marx (1818-1883) o “último dos românticos” soube bem dissecar em sua poética o
traço amargo característico dos exploradores.
Nesta mesma Alemanha
nasceria em 1908 a futura líder comunista Olga Benario, posteriormente Olga
Benario Prestes. A juventude na República de Weimar burilou seu senso de luta e
a fez encampar a revolução proletária. Veio ao Brasil junto com o também
comunista Luiz Carlos Prestes. Em 1936 foi extraditada para a Alemanha nazista,
à época grávida.
Anita Leocadia
Prestes (filha de Olga e Luiz Carlos) é graduada em Química Industrial na
Escola Nacional de Química da antiga Universidade do Brasil, atual Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em 1966 recebeu o título de mestre em Química
Orgânica.
Sua atuação política
clandestina no Partido Comunista Brasileiro (PCB) fez com que a pesquisadora
sofresse perseguição por parte do regime militar brasileiro. Assim sendo,
exilou-se na extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) em
1973.
Em 1975 doutorou-se
em Economia e Filosofia pelo Instituto de Ciências Sociais de Moscou.
Em 1979 volta ao
Brasil. Anita durante muitos anos foi assessora de seu pai atuando nas lutas
políticas.
Atualmente a
pesquisadora é professora do programa de pós-graduação em História comparada na
UFRJ.
Ao Tecendo em Reverso
a autora falou sobre a temática do seu mais novo livro lançado pela Boitempo Editorial:
Olga Benario Prestes: Uma comunista
nos arquivos da Gestapo.
Foto: Arquivo pessoal da pesquisadora.
Tecendo
em Reverso – Desde o domínio pelos soviéticos dos dossiês da Gestapo em 1945 a
comunidade acadêmica não tinha notícias de detalhes relevantes sobre a Alemanha
nazista. Como se deu o processo de consulta destes documentos disponibilizados
em 2015 para a escrita deste livro?
ANITA
LEOCADIA PRESTES – Essa documentação atualmente está disponível na Internet, o
que me permitiu consultá-la e, após sua tradução do alemão, trabalhar com ela,
chegando a produzir o livro “Olga Benario Prestes: uma comunista nos arquivos
da Gestapo” publicado recentemente pela editora Boitempo.
Tecendo
em Reverso - Olga Benario foi uma jovem excepcional para sua época. De que
forma sua atuação política fomentou a luta numa Alemanha tomada pela
efervescência da República de Weimar?
ANITA
LEOCADIA PRESTES – Olga Benario Prestes foi uma jovem que encarnou em grande
medida os anseios da juventude trabalhadora da Alemanha nos anos 1920.
Influenciada pelo ambiente revolucionário então presente nesse país, Olga
tornou-se uma comunista atuante e disposta a dar a vida pela revolução
socialista.
Tecendo
em Reverso – Num momento politicamente complicado da história brasileira Olga
Benario foi extraditada para a Alemanha de Hitler. Qual a sua análise hoje das
justificativas políticas que desencadearam esta atitude nefasta por parte do
governo brasileiro?
ANITA
LEOCADIA PRESTES – Em 1936, após a derrota dos levantes antifascistas de
novembro de 1935, o governo de Getúlio Vargas desencadeara violenta repressão
contra todos os democratas e antifascistas, incluindo os comunistas. Meus pais,
Luiz Carlos Prestes e Olga Benario Prestes, foram presos e, enquanto Prestes
era mantido incomunicável no Rio de Janeiro, Olga foi extraditada para a
Alemanha nazista no sétimo mês de gravidez, medida ilegal e que teve como
objetivo principal submeter meu pai à tortura psicológica.
Tecendo
em Reverso – A prisão de Olga desencadeou uma série de movimentos ancorados na
luta pela libertação dela e, posteriormente pela sua também. De que forma este
apelo internacional mobilizou as autoridades alemãs?
ANITA
LEOCADIA PRESTES – Após a prisão dos meus pais, iniciou-se campanha
internacional pela libertação dos presos políticos no Brasil, encabeçada por
minha avó paterna Leocadia Prestes. Na medida em que Olga e Elise Ewert foram
extraditadas para a Alemanha e, depois, deu-se o meu nascimento numa prisão de
Berlim, a campanha se estendeu a nós. Sua importância foi enorme para melhorar
as condições carcerárias tanto dos presos no Brasil quanto de Olga e Elise na
Alemanha e, principalmente, para garantir a minha libertação quando tinha 14
meses de idade.
Tecendo
em Reverso – Segundo algumas pesquisas o judiciário de Weimar mantinha
características parciais em relação aos julgados. Para a elite todos os
benefícios possíveis e para a classe trabalhadora e a esquerda todas as penas
cabíveis com requinte de crueldade. Esta situação desdobra-se agora em vários
países. Qual a sua avaliação sobre o judiciário brasileiro na atualidade? Quais
as mudanças ocorridas da época de Olga até hoje?
ANITA LEOCADIA PRESTES – Quando Olga foi presa no Brasil e estava ameaçada de
extradição para a Alemanha, o Supremo Tribunal Federal rejeitou o pedido de
habeas-corpus impetrado pelo seu advogado. Penso que hoje o judiciário
brasileiro não atua de maneira muito diferente do que naquela época, o que nos
revela o perigo permanente do autoritarismo e das tendências fascistas presentes
no mundo atual.
Foto: Divulgação