Nos últimos
anos o Brasil assiste a uma expansão do cinema documentário. Ali e acolá vão
surgindo nomes que aos poucos ganham espaço em meio aos filmes comerciais.
O nosso
entrevistado Evandro Medeiros é diretor e ao mesmo tempo produtor de seus
filmes. Em sua carreira estão presentes: Dezinho: Vida, Sonho e luta, Ubá, um
massacre anunciado e, mais recentemente Escola Quilombo.
O diretor
tem como foco em seus filmes as questões sociais tão caras ao norte e nordeste
do país. Com sensibilidade afastada da pieguice com que são tratados temas como
estes, nos filmes de Evandro vislumbramos a poesia de trechos oriundos da
tristeza que emana do real.
Evandro
Medeiros também é Professor na Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará
[UNIFESSPA] e organizador do Festival Internacional Amazônida de
Cinema de Fronteira.
Foto: Arquivo pessoal do diretor.
Foto: Arquivo pessoal do diretor.
Tecendo
em Reverso - Quais são as diretrizes pedagógicas que orientam o trabalho do
Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação do Campo [ Campus Universitário de
Arraias – UFT]?
EVANDRO
MEDEIROS – O Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação do Campo [UFT – Campus de
Arraias] faz parte de uma rede nacional de pesquisa em Educação do Campo,
vinculados ao Programa Observatório da Educação do Campo da Secretaria de
Educação para Diversidade [SECADI – MEC] e a CAPES. De modo geral o grupo tem
como objetivo levantar dados sobre as escolas rurais, suas condições materiais,
práticas pedagógicas, formação dos professores, experiências curriculares, etc.
De modo a produzir possibilidades de diálogo sobre tal realidade no âmbito dos
cursos de licenciatura e secretarias de educação, colocando em debate os
problemas enfrentados e inovações criadas pelos professores, alunos e
comunidades das escolas pesquisadas, para que assim possamos criar movimentos
de elaboração de políticas educacionais que ajudem na transformação da
realidade destas escolas.
Tecendo em Reverso –
Como se deu a concepção do documentário “Escola Quilombo”?
EVANDRO MEDEIROS – O
documentário foi pensado como mais um instrumento de enriquecimento da pesquisa,
que pudesse ajudar na captação das falas-imagens de professores, alunos e
comunidades sobre a realidade e cotidiano pedagógico das escolas rurais em área
de quilombo no município de Arraias-To. Enriquecedor da pesquisa porque é um
instrumento de apelo antropológico, pois registra a realidade observada pelos
pesquisadores e a descreve por meio das imagens de vídeo de modo a permitir que
os espectadores possam entrar na realidade pesquisada e construir suas próprias
percepções sobre ela, ao passo que sentem tal realidade pelas falas, gestos e
emoções manifestas pelos depoentes enquanto narram as questões relativas a
escola e a vida na comunidade. Então, pensando assim essa relação entre o filme
e a pesquisa, de modo que os resultados da pesquisa fossem ilustrados para além
de um mero relatório, desejando produzir dados-informações que pudessem
alcançar um público mais amplo e de maneira dinâmica, acessível a todos,
independentemente da escolaridade, lugar de vida e trabalho, é que nasceu a
ideia de fazer o documentário Escola Quilombo. Em sua concepção estético-fílmica
o documentário tem uma ordem simples: trabalhar com as narrativas de
professores, alunos e comunidade de modo a mostrar a escola segundo a concepção
de quem a vive e filmado a partir de uma convivência em meio ao cotidiano
pedagógico da escola.
Tecendo em Reverso-
Através desta produção quais foram as maiores dificuldades levantadas no
cenário educacional do norte do país?
EVANDRO MEDEIROS –
Pobreza, precariedade material, baixos salários e insegurança profissional ,
professores não são concursados, o personagem do filme trabalha faz 20 anos
como contratado, falta de acompanhamento pedagógico, professores sem formação
acadêmica, currículos padronizados pela perspectiva urbanocentrica, formação
continuada descontextualizada e não pautada pelas demandas do professor, alunos
e comunidade.
Evandro e Alexandra Duarte (Diretora de Fotografia).
Foto: Arquivo pessoal do diretor.
Evandro e Alexandra Duarte (Diretora de Fotografia).
Foto: Arquivo pessoal do diretor.
Tecendo em Reverso –
Sabe-se que no Brasil há um lastro razoável de produções fílmicas documentais,
no entanto, a escola brasileira ainda mostra problemas quando apresenta filmes
em sala de aula. Muitas vezes os professores sentem-se despreparados para a
preparação de um plano de aula que contenha filmes. Como você analisa este
panorama?
EVANDRO MEDEIROS – De
modo geral os professores brasileiros possuem uma fragilidade profissional no que tange ao uso de tecnologias
educacionais em geral, do trabalho com
computadores ao uso de filmes em suas aulas, estes muitas vezes são usados sem
conexão devida com as demais atividades curriculares e aulas, acabam sendo
atividades em si. No caso de material audiovisual muitas vezes acaba sendo o
filme pelo filme, falta formação direcionada para isso, óbvio, mas falta também
as secretarias de educação de estados e municípios acreditarem na importância pedagógica
dos filmes e outros produtos artístico-culturais e tecnológicos, fomentando a produção desses
materiais e seu uso pedagógico, assim como fomentando a produção deles através
da escola, da comunidade escolar. Vivemos uma tradição arcaica da “aula
monológica e quadro de giz”, em que só o professor fala e as crianças copiam,
algo intolerável num tempo de avanços científicos e tecnológicos, algo
intolerável em comunidades de tanta riqueza cultural e histórias, falta
criatividade e estimulo a criatividade, falta estimular os alunos ao
protagonismo na produção de conhecimento. Isto ocorre porque os professores
também não foram “ensinados” a serem protagonistas na produção de conhecimento
e uso de tecnologias para tal fim. Os professores não foram empoderados como
intelectuais de suas práticas, como faz o professor Adão, personagem do filme,
talvez porque não querendo que as crianças passem por tudo aquilo que ele mesmo
passou na infância e profissionalmente abandonado e isolado na comunidade, se
sente impulsionado a ser senhor das soluções aos limites que a realidade lhe
impõe.
Tecendo em Reverso-
Percebe-se que a temática social se faz presente nas suas produções
audiovisuais. O que o levou a esta escolha?
EVANDRO MEDEIROS –
Minha história de vida, a história de minha mãe e tios, que na infância viveram
realidades parecidas com as da comunidade quilombola apresentada no filme, a
trajetória de luta deles para ter acesso a direitos e criar os filhos com mais
qualidade de vida, a história das pessoas pobres dos lugares por onde morei,
desde pequeno observando as realidades de injustiça, miséria, exclusão social,
mortes por violência ou descaso do poder público e todo tipo de tragédia que
abate principalmente aqueles que menos possuem condições de se defender. Essas
experiências me formaram, forjaram minha sensibilidade estética, meu
compromisso ético, minha perspectiva e personalidade profissional. Fui
alfabetizador de adultos, trabalhei com meninos de rua, ministrei aula em
escolas públicas de periferia, colaborei com a organização de agricultores sem
terra, ajudei organizar projetos de escolas para jovens agricultores, me tornei
professor de universidade e todas essas experiências somadas ao desejo de
realizar uma prática artística me fizeram produtor audiovisual.
Filme: Escola Quilombo