O
Professor Rui Ribeiro de Campos é graduado em Filosofia, Estudos Sociais e
Geografia pela PUC – Campinas. Fez mestrado em educação também pela PUC e
doutorado em Geografia na UNESP- Rio Claro. Foi professor titular da PUC –
Campinas de Epistemologia da Geografia, Pensamento Geográfico Brasileiro e
Geografia Política.
Durante
muitos anos trabalhou com o ensino de geografia através da música popular
brasileira.
Confiram
a entrevista que o pesquisador concedeu ao Tecendo em Reverso sobre a
importância da música na educação dos nossos jovens.
Tecendo em Reverso - Qual é
a importância da arte como recurso pedagógico?
RUI RIBEIRO DE CAMPOS - Educar já é uma arte. Mas a proposta é de utilização de outras formas de arte para realizar o trabalho educacional: poemas e letras de canções. Trabalhar com sons colabora para o aprimoramento da sensibilidade. Descobrir o som de certos versos também é fundamental; além disso, contribui para aprimorar o vocabulário e estimular os alunos a realizarem essa experiência humana. E fazer uma atividade interdisciplinar é uma forma de o aluno sentir que o processo de aprendizagem não é isolado, que existe ligação entre disciplinas trabalhadas, que um mesmo conceito pode estar na narrativa de um conto, no enredo de um filme, num quadro, numa escultura, na letra de uma canção. No entanto, no Brasil, não se trabalha seriamente a arte no processo educacional, pois desde a infância muitos pais já possuem uma perspectiva profissional para seus filhos e desejam da escola somente conteúdos “técnicos” que sejam “úteis” no futuro.
Tecendo em Reverso - Especificando-se o ensino de Geografia. Como
utilizar letras de MPB na ilustração dos temas abordados?
RUI RIBEIRO DE CAMPOS - A proposta é que a disciplina Geografia utilize determinadas letras de canções para analisar aspectos estudados no decorrer do conteúdo programado. O que fizemos nos artigos foi sugerir determinados temas e algumas letras que podem ser utilizadas em sala de aula. Deixou-se em aberto o momento: início, meio ou final do assunto tratado; e também se procurou mais caracterizar a situação do que analisar especificamente a letra, deixando isso para o docente. Existem outros temas (e letras de músicas relativas a eles) nos quais se pode fazer a mesma coisa. A tentativa foi de sugerir aos docentes de Geografia que façam isso, que dialoguem com a realidade também dessa maneira.
Tecendo em Reverso - Sabe-se que hoje em dia o “conhecimento de mundo”
do aluno, leia-se, bagagem cultural é muitas vezes rechaçado pela escola, ou
seja, há muito preconceito em relação às manifestações musicais,como: funk e
rap. Como apresentar aos alunos outros movimentos musicais sem ignorar o que
eles trazem do cotidiano?
RUI RIBEIRO DE CAMPOS - O
baixo nível da população brasileira relativo a um conhecimento mais
sistematizado tem atrapalhado bastante os professores em sala de aula. A
estratégia depende de qual setor os alunos integram. Para os mais
marginalizados creio que a estratégia mais adequada é a de estimulá-los a
fazerem um rap cuja letra retrate problemas de seu cotidiano. A partir daí se
introduziriam letras um pouco mais “sofisticadas”, mais relacionadas a
problemas brasileiros semelhantes. Por essas razões, o professor não deve
colocar músicas (com letras, é claro) em sala de aula sem planejar
adequadamente, para que não se pense que é somente uma pausa do que se está
“dando” em sala de aula. A canção deve integrar o conteúdo como mais uma
expressão – cultural – da situação estudada.
Tecendo em Reverso - Os anos de chumbo da ditadura civil-militar no
Brasil deram ao nosso país uma lavra significante de músicas com letras que
mostravam indignação em relação ao regime. O Sr. destacaria algum compositor
desta época que contribuiu para isso?
RUI RIBEIRO DE CAMPOS - Para
mim, o destaque entre aqueles que conseguiram driblar a censura foi Chico
Buarque, principalmente após o AI-5. Antes disso, poucas letras desse
compositor foram fundamentais para que se colocasse, sob a forma de canção, o
que se sentia em relação ao poder autoritário instalado no país. Uma das mais
significativas foi “Sabiá”, um
prenúncio, uma canção que retratava o “exílio interno”, possibilitando que ,
enquanto Geografia debata o regime militar, a área de literatura trabalhe com
Gonçalves Dias. Depois de 1969, foi ele um dos compositores mais coerentes na
luta contra a opressão. Pode-se começar citando “Apesar de Você”, escrita especialmente para o ditador Médici,
continuando com “Cálice”, “Milagre Brasileiro” e “Vence na vida quem diz sim” (letras
conhecidas no final do regime), “Angélica”
(muito bonita e triste, ao mesmo tempo, sobre Zuzu Angel), “Samba de Orly”, “Deus lhe pague”, “Linha de
Montagem” e outras. Contudo, existem outros letristas que também tentaram
driblar a censura para que se pudesse ter uma pequena sensação de estar livre
(somente a sensação), como Sérgio Ricardo, Gonzaguinha, Aldir Blanc e Paulo
César Pinheiro.
Tecendo em Reverso - No seu trabalho encontramos músicas, como: Meninos
do Brasil de Gonzaguinha e Povo da Raça Brasil de Milton Nascimento e Fernando
Brant. No seu ponto de vista qual é a música que melhor traduz o povo
brasileiro na conjuntura política atual?
RUI RIBEIRO DE CAMPOS - Dessas duas? Acredito que a do Gonzaguinha,
principalmente por conter mais relatos de mazelas. A situação do país melhorou
em relação ao final da década de 1980, mas muito do que ainda existe está na
letra de Meninos do Brasil. Embora ache que a que melhor reflete o Brasil atual
seja “Cara do Brasil”, de Celso
Viáfora e Vicente Barreto, feita uma década depois.
Espaço do pesquisador:
A proposta de trabalhar MPB em aulas de Geografia resulta de minha
experiência anterior como professor do ensino médio. Permaneço acreditando que
ela pode ser utilizada por diversas disciplinas, principalmente em um trabalho
conjunto. No entanto, é somente um recurso pedagógico, que não substitui o
conteúdo, e a música não deve ser colocada somente para tornar a aula mais
“agradável”. Ao mesmo tempo, consegue-se mostrar a riquíssima variedade musical
do país e impedir que ela seja “engolida” pelo domínio de formas musicais
estrangeiras.
Abraços,
Juliana Gobbe