quarta-feira, 29 de maio de 2013
terça-feira, 14 de maio de 2013
APONTAMENTOS
PEDAGÓGICOS SOBRE ALIENAÇÃO, EDUCAÇÃO E TRABALHO
José Luís Sanfelice[1]
Considerei
muito oportuna a temática da presente coletânea. Ao tomar conhecimento dela me
senti não só provocado, mas um tanto reconfortado quanto ao sentimento de
impaciência que vinha me afligindo e que manifestei em várias ocasiões. Por que
quase não se ouve mais nada, ou não se encontra escritos recentes, sobre o
conceito de alienação? Outro dia comentei em forma de indagação em uma rede
social: não existe mais a alienação e em decorrência o conceito é somente um
registro histórico?
Já
com a preocupação de elaborar estes apontamentos me deparei com duas afirmações
que em parte responderam minha inquietação: a primeira era incisiva ao afirmar
que o interesse pelo conceito de alienação, tal como fora utilizado por Marx,
decaira nos últimos anos (OUTHWAITE & BOTTOMORE, 1996). Nenhuma razão foi
indicada e deduzi que pode ter sido uma decorrência do refluxo geral do marxismo
nos tempos das teorias pós-modernas. Refiro-me aos marxistas uma vez que o
conceito de alienação foi debatido por muitos de seus autores e, claro, não de
forma exclusiva.
A
segunda afirmação remetia à difusão da problemática da alienação lá para os anos
50 e 60 do século passado quando surgiram os escritos de Lukács e Korsch. Uma
explicação foi dada: o marxismo da Segunda Internacional, apesar de conhecer
parte dos escritos inéditos de Marx, não atribuiu importância ao conceito de
alienação e, apesar da publicação dos Manuscritos de Marx em 1932 e dos
Grundrisse em 1939-41, o conceito continuou estranho ao marxismo-leninismo da
Terceira Internacional uma vez que as preocupações se voltavam para a crise
geral do capitalismo. A retomada da problemática conceitual do nexo
alienação-fetichismo-reificação teria sido à margem das correntes principais da
tradição marxista e, com frequência, pelos críticos delas. (BOBBIO, MATTEUCCI,
PASQUINO, 2004, p. 22).
Da minha parte estou podendo recordar que pelos anos 70, também do século findo, quando me encontrava em processo de formação no curso de Filosofia e depois no mestrado em Filosofia da Educação, que a temática da alienação era bastante corriqueira nos debates e na literatura utilizada.
Da minha parte estou podendo recordar que pelos anos 70, também do século findo, quando me encontrava em processo de formação no curso de Filosofia e depois no mestrado em Filosofia da Educação, que a temática da alienação era bastante corriqueira nos debates e na literatura utilizada.
Quero
crer que para as gerações mais jovens o uso da palavra alienação é quase sempre
um pejorativo sem maiores consequências. Considera-se que fulano ou beltrano
são alienados e pelas razões mais incríveis possíveis. É só atentarmos para as
situações em que a palavra é pronunciada e veremos que tenho razão. Decorre,
então, dessa constatação, a minha proposta de elaborar aqui Apontamentos pedagógicos. Vou em busca
do intento.
Inicialmente
pode-se descobrir que o vocábulo alienação em português é derivado do latim. O
verbo alienar pode ter tido uma origem econômica antes que filosófica e provavelmente,
na antiguidade, designava a venda ou troca de produtos ou escravos. Em sentido figurado alienação pode
significar embelezamento e a palavra é usada no contexto religioso e artístico
(GIUDICI, 1974, p. 101). Em sentido
jurídico e acompanhando as origens do termo significa venda ou cessão de
algo. Por metáfora a alienação pode
designar o estado em que se encontra quem pertence a um outro (LALANDE, 1966).
Ainda,
como registra o dicionário (HOUAISS, 2001), na linguagem informal a alienação pode ser a indiferença aos problemas
políticos e sociais, uma desorientação quanto ao comportamento e às convicções
pessoais ou uma sensação de absurdo existencial. A alienação mental designa,
por exemplo, a perturbação do sentimento de identidade, a perda da razão ou a
loucura. Enfim, as possibilidades de se encontrar a palavra alienação nos
sentidos figurado, jurídico, metafórico, informal ou psicológico são imensas.
Uma rápida busca na Internet confirma a constatação, inclusive com a indicação
de grande quantidade de escritos. Por outro lado, surpreende a quase ausência
de produção, referente a alienação, pelo campo da filosofia ou da educação. A
minha impaciência, anunciada acima, parece realmente proceder.
É
importante notar que embora a problemática da alienação possa ter sido
fortemente marcada pelos marxistas, o conceito teve usos importantes como termo
filosófico em precursores. Diz-se que o uso da palavra nem sempre se aproximou
do que passou a significar no pensamento de Hegel e Marx e que muitos autores
expressaram a idéia da alienação sem usar a palavra. Há quem afirme que a
doutrina cristã do pecado original é uma das primeiras versões da história da
alienação. O conceito de idolatria no Velho Testamento seria uma outra das suas
expressões.
A
relação entre os seres humanos e o Logos, em Heráclito, também pode ser
analisada em termos de alienação. E alguns comentaristas sustentaram que a
origem da concepção que Hegel tinha da natureza como forma auto-alienada do
Espírito Absoluto pode ser encontrada na interpretação de Platão do mundo
natural como uma imagem imperfeita do nobre mundo das idéias. Na época moderna,
a terminologia e a problemática da alienação encontram-se especialmente nos
teóricos do Contrato Social (BOTTOMORE, 19097, p. 5).
Com
o uso ou não da palavra alienação, a idéia do Contrato Social elaborada por
Grotius, Hobbes e Locke pode ser vista no campo dos significados da alienação e
desalienação. O Contrato Social seria uma alienação parcial deliberada em
busca, por exemplo, de uma maior segurança. Entretanto, antecedendo Hegel,
Rousseau seria o autor de um pensamento ao qual mais se poderia aplicar e
compreender em termos de alienação e desalienação.
Para
mencionarmos apenas dois entre os aspectos mais relevantes, a oposição
estabelecida por Rousseau entre o homem natural (l’homme de la nature, l’homme
naturel, le suavage) e o homem social (l’homme policé, l’homme civil, l’homme
social) poderia ser comparada com a oposição entre o homem não-alienado e o
homem auto-alienado, e o projeto rousseauniano de superação da contradição
entre a volonté générale e a volonté particulière pode ser
considerado como um programa para a abolição da alienação. Mas apesar de todos
os precursores, e de Rousseau inclusive, a verdadeira história filosófica da
alienação começa com Hegel. (id., ibid).
E,
apesar da importância da contribuição de Hegel para a configuração da
problemática da alienação, sinalizo apenas uma modestíssima síntese da sua
concepção.
Em
um sentido básico, o conceito de auto-alienação aplica-se, em Hegel, ao
Absoluto. A Idéia Absoluta (Espírito Absoluto), que para ele é a única
realidade, é um Eu dinâmico envolvido em um processo circular de alienação e
desalienação. Torna-se alienado de si mesmo na Natureza (que é a forma auto-alienada
da Idéia Absoluta) e volta de sua auto-alienação no Espírito Finito, o homem
(que é o Absoluto no processo de desalienação). A auto-alienação e a
desalienação são, dessa maneira, a forma do Ser do Absoluto (id., ibid.).
Há
outros desdobramentos do conceito na obra de Hegel que foi criticado por
Feuerback.
Para
Feuerback , o homem não é Deus auto-alienado, mas Deus é o homem auto-alienado:
é apenas a essência abstraída do homem, absolutizada e dele distanciada. Assim,
o homem aliena-se de si mesmo ao criar e colocar acima de si um ser superior
estranho e imaginado, e ao curvar-se ante ele, como escravo. A desalienação do
homem consiste na abolição daquela imagem ‘estranhada’ do homem que é Deus
(BOTTOMORE, 1997, p. 6).
E
Feuerbach foi criticado por Marx que mesmo concordando com a alienação
religiosa, ressaltava ser ela apenas uma das formas da alienação humana. O
homem, na prática, se aliena, com suas atividades, na filosofia, no senso
comum, na arte, na moral, na produção de mercadorias, no dinheiro, ao capital,
ao Estado, às instituições sociais quando os objetos-produtos do próprio homem
se tornam separados dele e independentes, poderosos, o tornam como um escravo
impotente. São múltiplas as formas de alienação mas, ao término, uma única e
mesma coisa. Entretanto, quero crer que o eixo central da alienação, para Marx,
esteja diretamente ligado à sua leitura histórica do trabalho humano alienado e
expresso pela condição concreta do trabalhador na sociedade de modo-de-produção
capitalista. São as suas premissas arroladas nos Manuscritos
econômico-filosóficos que me induzem à idéia.
O
trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais a
sua produção aumenta em poder e extensão. O trabalhador se torna uma mercadoria
tão mais barata quanto mais mercadorias cria. Com a valorização do mundo das coisas (Sachenwelt) aumenta em proporção
direta a desvalorização do mundo dos homens (Menschenwelt). O trabalho não
produz somente mercadoria, ele produz a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e isto na medida em que
produz, de fato, mercadorias em geral (MARX, 2004, p. 80).
Desdobra-se
das premissas acima uma profunda reflexão histórico-dialética contundente.
Este
fato nada mais exprime, senão: o objeto (Gegenstand) que o trabalho produz, o
seu produto, se lhe defronta como um ser estranho,
como um poder independente do
produtor. O produto do trabalho é o trabalho que se fixou num objeto, fez-se
coisal (sachlich), é a objetivação (Vergegenständlichung)
do trabalho. A efetivação (Verwirklichung) do trabalho é a sua objetivação.
Esta efetivação do trabalho aparece ao estado –nacional-econômico como
desefetivação (Entwirklichung) do trabalhador, a objetivação como perda do objeto e servidão ao objeto, a
apropriação como estranhamento
(Entfremdung), como alienação
(Entäusserung) (id., ibid.).[2]
Sánchez
Vazquez (1968) interpreta que Marx aprendeu que o trabalho humano é a fonte de
todo valor e de toda a riqueza. Uma fonte, portanto, subjetiva. Daí a
radicalidade da investigação que vê o trabalhador negado como ser humano e
reduzido a um meio produtivo para o capital ou para o capitalista. E os objetos
da produção não são apropriados pelo trabalhador que os produz e que também
neles não se reconhece. Os objetos tornam-se alheios, independentes e ficam
dotados de certo poder.
A
exteriorização (Entäusserung) do
trabalhador em seu produto tem o significado não somente de que seu trabalho se
torna um objeto, uma existência externa
(äussern) mas, bem além disso, [que se torna uma existência] que existe fora
dele (aussern ihm), independente dele e estranha a ele, tornando-se uma
potência (Macht) autônoma diante dele, que a vida que ele concedeu ao objeto se
lhe defronta hostil e estranha (Marx, 2004, p. 81).
Mas
o estranhamento do trabalhador não se dá apenas com relação aos produtos
resultantes da objetivação do seu trabalho a partir do que a natureza lhe
oferece. O estranhamento se dá também, e principalmente, no ato da produção, dentro da própria atividade produtiva uma vez que de
primeira necessidade para o ser humano tornou-se atividade sob coação. Em
escala crescente o estranhamento é para com a própria essência humana, pois a
objetivação dos homens encontra-se degradada e transformada em atividade
instrumental (para o capital) com uma existência particular. E, por último um
estranhamento de cada homem para com os demais e de todos para cada um tendo em
vista os antagonismos entre o trabalho e o capital (propriedade privada).
Após
as indicações acima, registre-se que ocorreram muitas controvérsias depois que
as obras de Marx foram divulgadas. As controvérsias traduzem várias
interpretações da problemática da alienação e se originam já na complexidade
semântica da cultura filosófico-política moderna na qual o conceito tem sido
usado e avançam, por exemplo, com as discussões sobre o jovem/velho Marx e o
conjunto da sua produção.
Gostaria
de apenas tangenciar algumas breves indicações. Há, em Marx, um aprofundamento
da análise do estranhamento em a Ideologia Alemã (1845-46) e a interpretação de
que em sua obra mais madura não se encontram referências consistentes à
Alienação é bastante polêmica. Para alguns intérpretes muitos escritos do velho
Marx expressam formas da alienação. Quanto ao uso mais geral do conceito, ele é
contemplado, apenas lembrando alguns filósofos, por Lukács, Marcuse e Sartre.
Nestes
apontamentos não se pretende assumir o uso rigoroso do conceito de alienação em
consonância com uma das suas versões. De ora em diante, vou me utilizar do
conceito mais refletindo sobre algumas das possibilidades que ele nos oferece e
que dentre tantas outras são:
A
alienação, portanto, faz referência a uma dimensão subjetiva e juntamente a uma
dimensão objetiva histórico-social. Neste sentido se fala: de Alienação mental
como estado psicológico conexo com a doença mental; de Alienação dos
colonizados enquanto sofrem e interiorizam a cultura e os valores dos
colonizadores; de Alienação dos trabalhadores enquanto são integrados, através
de tarefas puramente executivas e despersonalizadas, na estrutura
técnico-hierárquica da empresa individual, sem ter nenhum poder nas decisões fundamentais;
de Alienação das massas enquanto objeto de heterodireção e de manipulação
através do uso das mass media, da
publicidade, da organização mercificada do tempo livre; de Alienação da técnica
como instrumento dos aparelhos para que funcionem segundo uma lógica de
eficácia e de produtividade independente do problema dos fins e do significado
humano de seu uso (BOBBIO, MATTEUCCI e PASQUINO, 2004, p. 20).
Nas
indicações acima fala-se da “Alienação dos colonizados enquanto sofrem e
interiorizam a cultura e os valores dos colonizadores”. Para ilustrar a
afirmação lembro um pouco da história da colonização dos indígenas por terras
americanas. No processo colonial como um todo deu-se o confronto entre duas
sociedades, ou seja, a europeia e a nativa. A invasão, por aqui, foi de
exploração, extermínio e sujeição. A mão-de-obra indígena e dos escravos negros
era fundamental para os propósitos econômicos da época e na ótica de um
modo-de-produção a ser expandido para além das suas fronteiras de origem.
Praticamente todas as ações humanas, por mais escandalosas que fossem, segundo
os princípios da própria cristandade, passaram a ser justificadas e validadas.
O objetivo último era a acumulação de riquezas e da propriedade privada, mesmo
que isso significasse dilapidar as colônias. Mas a população nativa e a escrava
para cá transportada tinham que se encaixar e realizar os propósitos que não eram
seus. “Triste” foi a hora em que o primeiro indígena ou o primeiro negro se
ajoelharam perante um jesuíta e pediram perdão por ser indígena ou negro. Era
um gesto que podia significar uma estratégia de sobrevivência, mas que
simbolizava a negação da própria essência face a algo totalmente estranho.
Podiam até ser premiados com um batismo, ritual de ingresso na nova cultura.
Negar o seu próprio modo-de-produção, as suas práticas culturais, sociais e
religiosas era uma forma de alienar-se ao outro, ao estranho. Pelo trabalho, é
claro, aquela mão de obra objetivava o produto fruto dele, ou seja, a
mercadoria que não lhe pertencia.
Mas,
foi indicada também, na citação acima a “Alienação dos trabalhadores enquanto
são integrados, através de tarefas puramente executivas e despersonalizadas, na
estrutura técnico-hierárquica da empresa individual, sem ter nenhum poder nas
decisões fundamentais”. É o que acontece na produção taylorista e toyottista.
Desde o artesanato, passando pela manufatura, aos dias de hoje em que a
produção é mundializada, cada vez mais os trabalhadores definem ou visualizam
menos os fins últimos da sua atividade de trabalho, então do próprio trabalho,
do produto parcelar que lhe é alheio, perdendo-se numa não relação com o
trabalhador universal – uma abstração –, e consequentemente também uma não
relação com a humanidade. Genericamente, trabalha-se para o capital – outra
abstração – .O que o trabalhador indiano, chinês ou brasileiro tem em comum?
Apenas e tão somente a objetivação e a alienação do trabalho. Quem se beneficia
com isso? Genericamente, o capital que aparentemente abstrato, é de fato muito
concreto/real.
Evidentemente
a conotação que dei de abstração ao trabalhador universal e ao capital só é
abstração na medida em que não se historicizar as categorias trabalho e
capital. Ao se historicizá-las – as categorias – elas ganharão concretude. Mas
sob a batuta do trabalho alienado universalizado a quem interessaria
historicizar a relação capital x trabalho?
Outro
ponto citado foi a “Alienação das massas enquanto objeto de heterodireção e de
manipulação através de uso das mass media,
da publicidade, da organização mercificada do tempo livre”.
Bem,
a referência as massas é uma indicação a algo meio que sem identidade ou sem
identidade nenhuma. As massas, fisicamente, podem ser manipuladas e podem ser
(con)formadas. Dependendo da ação exercida sobre a massa ela adquire
consistências ou formas variadas. Quem já viu fazer massa de pão, de pizza ou
de concreto, tem bem idéia do que se trata a ação de obter uma massa. Mas, e
quando se trata de massas humanas?
Lembremos
então de um ritual pelo qual milhões de pessoas, independentemente da origem
social delas, dos mais variados rincões do país, nas mais diferentes condições
de moradias, em bares, restaurantes, cadeias e praças públicas se “ajoelham”
perante telas de TV para assistirem novelas. As TVs, de certa maneira
substituíram os jesuítas colonizadores, seus rituais religiosos e práticas
educativas, então apresentados à população colonial. A TV é como se fosse, na
missa, o sermão do padre ou, no culto, a prédica do pastor. Por meses e meses
esses milhões de pessoas vão introjetando uma “história de novela” que se
apresenta em capítulos diários. No dia após cada capítulo ocorre um burburinho
geral de comentários do público e que são ouvidos em salas de aula, nos
supermercados, nos aeroportos e aviões, nas lojas, nos bancos, nas favelas e em
todos os cantos. As novelas induzem as mentes humanas para temas sobre os quais
uma massa de pessoas gastará boas horas da sua atenção, pensamento e
comunicação. É, também, como se fosse a batuta de um maestro que determina o
comportamento da orquestra.
As
pessoas embevecidas pelas novelas se esquecem, pelo menos momentaneamente, do
cotidiano político, econômico, social, cultural e existencial. Mergulhar no
mundo das novelas, disponíveis em muitos horários diários e estratégicos para a
vida dos trabalhadores e famílias, é inserir-se em um “faz de conta” padrão e
naturalizado. É ingressar num universo cultural, social, moral e ideológico estranho ao próprio e, por conseguinte, alheio. As novelas impõem estilos
musicais que se tornam sucessos, ditam as modas de roupas, impõem produtos de
consumo para a alimentação, divulgam hábitos de comportamentos e, no cerne das
pessoas, constroem uma não realidade face, por exemplo, ao desemprego, aos
salários paupérrimos, às condições de moradia, à falta de educação de qualidade
e à ausência de políticas para a saúde. As massas frequentadoras das novelas
são conduzidas ao torpor, ou pelo menos é isso o que se tenta, e são sempre
cativadas, muito antes que uma novela chegue ao seu final, para que assistam a
próxima. Fica muito difícil imaginar que a massa que se “ajoelha” perante as
telas saia às ruas para propor uma revolução contrária à sociedade capitalista,
mas não é difícil perceber que ela está sob controle mesmo quando usufrui o seu
tempo livre e que isso se acresce ao controle que já ocorre no mundo do
trabalho. É verdade que parte da massa não vê novelas porque vai às igrejas. Ai,
não sei o que é “pior”, mas “pior” mesmo é quando as duas atividades se somam.
Resta
comentar na citação a qual nos referimos anteriormente a afirmação sobre a
“Alienação da técnica como instrumento dos aparelhos para que funcionem segundo
uma lógica de eficácia e de produtividade independente do problema dos fins e
do significado humano do seu uso”.
De
um lado torna-se desnecessário apontar a imensa revolução tecnológica das
últimas décadas e suas implicações em todos os campos e dimensões da vida
humana. É simplesmente fantástico o número de possibilidades que se abriram à
humanidade em decorrência dos novos conhecimentos e da aplicação deles em
tecnologias revolucionárias que potencialmente podem ser usadas para as mais
diferentes finalidades dentre elas a eficiência e a produtividade tão desejadas
pelo modo-de-produção capitalista globalizado.
Bem,
quando se trata de eficiência e produtividade desejadas pelo modo-de-produção
capitalista globalizado, entenda-se que os fins e o significado delas se põe pela
lógica dos interesses da concentração/ampliação do capital e da propriedade
privada dos meios de produção. Ainda, se tal lógica continua assentada na
expropriação do trabalho objetivado pela classe trabalhadora, o significado
humano do seu uso é de alienação.
Posso,
entretanto, ampliar a dimensão da alienação técnica para o consumo dos produtos
que incorporam as tecnologias. Vejo com frequência em diferentes ambientes
grupos de adolescentes ou jovens sentados à mesa ou no chão e de posse de
vários celulares e outros aparelhos eletrônicos disponíveis individualmente.
Eles pouco se falam e mais trocam olhares enquanto também degustam lanches do
fast-food. Uns se encontram em redes sociais da Internet, outros jogam
individualmente ou também em redes, há quem ouve alguma coisa em aparelhos de
ouvidos e em geral todos fazem tudo ao mesmo tempo. Comem, jogam, mandam e
recebem mensagens, escutam músicas, fazem caretas, emitem sons, palavrões,
gírias e sorriem ou dão gargalhadas solitariamente.
O grupo que ali está “antenado” ao mundo é alheio e estranho na relação de um
jovem para com o outro. Claro, é um comportamento de grupo, mas de paupérrima
ação comunicativa. Pelos recursos tecnológicos disponíveis as pessoas
redefiniram a noção de tempo e espaço e se aproximaram e/ou se distanciaram? E
a solidão daqueles que passam boa parte do tempo diário escravizados aos
computadores que lhes oferecem milhões de possibilidades? E a submissão de quem
necessita ter sempre o último lançamento tecnológico programado pelo Mercado
apenas e tão somente dirigido pela lógica do ter e consumir?
Enfim
não é seguro que a revolução tecnológica, com seus efeitos na produção de bens
e no consumo de mercadorias, seja humanizadora numa sociedade capitalista. E
isso, sem tratar aqui da dimensão relacionada ao aspecto que diz respeito ao
controle dos conhecimentos que sustentam a revolução tecnológica. Mas, não se
trata de atirar pela janela a criança e a água do banho que se encontram na
bacia, pois é necessário reconhecer o potencial libertador da tecnologia para a
humanidade, em uma lógica social que não se fundamente na exploração do
trabalho e da sua alienação.
Posso
afirmar agora que a causa fundamental da Alienação está sempre no mundo do
trabalho estranho. A objetivação do
trabalho no produto do trabalho é inevitável para a sobrevivência dos seres
humanos. Não é possível viver sem trabalhar a menos que se viva do trabalho do
outro (relação de classes que trabalham x classes que vivem do trabalho alheio,
por exemplo). Sendo o trabalho a atividade humana determinante da existência, a
sua realização em condições históricas de alheamento da própria
atividade-trabalho, do produto do trabalho, de si mesmo e da relação com os
demais homens, então, o trabalho alienado é a causa do amplo complexo de
alienações que se manifestam nas dimensões filosóficas, culturais, políticas,
técnicas, religiosas, morais e teóricas, dentre outras[3].
Evidentemente,
no campo da luta revolucionária para superar a Alienação, trata-se de buscar as
condições históricas de superar a sua causa, ou seja, superar qualitativamente
as condições, também históricas, sob as quais o trabalho é alienado. É preciso
pensar para além da sociedade do capital, do mercado e do consumismo. É preciso
pensar e agir em consonância com um ideal de sociedade cuja essência estrutural
seja superior a atual.
O
filme A servidão moderna de Jean François Brient, só visível em circuitos
alternativos e disponível na Internet, sugere de forma contundente as
diferentes manifestações da Alienação nos dias de hoje e propõe maneiras de
resistências. O rol de fenômenos analisados é grande e destaco alguns: a farsa
da preservação ecológica entoada pelos países capitalistas centrais, os maiores
poluidores e devastadores da natureza, que impõem a “conscientização” de cada
um de nós para a solução do problema; a naturalização da violência física e
moral, privada e pública, apresentada sempre como um desvio de conduta
particular e não como resultante de toda a estrutura social; a vida cotidiana
naturalizada em espaços urbanos sujos, barulhentos, poluídos, inseguros e que
acabam sendo as prisões em que somos obrigados a viver sobre o controle do
Estado e dos interesses privados; a vida em “jaulas” nas quais milhões de
pessoas se instalam: favelas, morros, viadutos, prédios abandonados e terras
devolutas; os artifícios das mensagens publicitárias que induzem ao consumismo
que não responde às necessidades essenciais; o controle que os meios de
comunicação exercem sobre as informações e as relações sociais reais; os alimentos
que nos envenenam enquanto sugerem prazeres imediatos; a falsa abundância x a
escassez compulsória; o stress da competição individualista em busca de um
“lugar ao sol” que nunca brilhará e que só nos degrada; o uso da medicina
comercial que prefere cuidar dos efeitos e não das causas das doenças; a
submissão mística ao dinheiro, um novo deus; a crença na democracia
representativa burguesa; o controle sobre crianças e adolescentes para que se
tornem cada vez mais estúpidos e a construção de imagens para diferentes
culturas e classes da sociedade. Enfim, um grande conjunto de situações
alienantes decorrente da alienação do trabalho e ainda do não trabalho. Some-se
a isso a lógica de um sistema mercantil totalitário que embala uma ideologia
que penetra cada ser humano em cada um dos seus poros.
O
que falar da educação para a alienação? Aquela educação para a domesticação e
sujeição ao status quo; aquela
educação para o trabalho alienado e que despolitiza a classe trabalhadora
lançada a uma disputa cotidiana e individualista para a sobrevivência; aquela
educação intencionalmente desqualificada da escola estatal oferecida ao povo;
aquela educação orquestrada pelos organismos internacionais para ser executada
pelos Estados nacionais. Sim, aquela educação que limita as pessoas às suas
próprias contingências (aptidões, habilidades, flexibilidade, etc.). O que
falar da máfia mercantil do livro didático? O que falar das condições precárias
da profissão e do trabalho docente? A lista de indagações desafiadoras é infinita.
A
sublimação da manifestação da alienação ocorre quando as pessoas se convencem
ou são convencidas de que não há alternativa ao mundo atual. Alguma coisa como
se tivéssemos chegado ao fim do processo histórico. Alguns até acham que é
possível reformá-lo mas, não transformá-lo radicalmente.
Eu
partilho, entretanto, de uma postura que é contrária à sociedade do império mercantil,
à alienação e à intolerância. Divido minha utopia com todos os que defendem a
emancipação humana e a superação histórica do modo-de-produção capitalista. Com
esta explicitação estou querendo dizer que me interessa falar de revolução, de
luta de classes, de destruição de poderes constituídos, de democracia direta,
de educação emancipadora e de desalienação. Me interessa falar das ideologias
neoliberais como adversárias aos propósitos que viso e da educação para a
reprodução do status quo como um
entrave a ser eliminado. De onde vem essa vontade? Da certeza que a sociedade
capitalista é estruturalmente e logicamente incorrigível. Ou alguém acredita
que o capital abrirá mão dos seus interesses?[4]
Concluo
meus Apontamentos .... com a esperança de ter sido didático.
[1] Professor Titular em História da Educação. Aposentado e Professor Colaborador da UNICAMP/FE/DEFHE. sanfelice00@yahoo.com.br
[2] O tradutor dos Manuscritos econômico-filosóficos Jesus Ranieri (2004) destaca a distinção entre alienação (Entäusserung) e estranhamento (Entfremdung). Afirma que os conceitos aparecem em Marx com conteúdos distintos, vinculados, mas não como sinônimos. Alienação é remeter para fora, extrusar e objetivação humana no trabalho. Estranhamento é objeção sócio-econômica à realização humana. A unidade alienação-estranhamento diz respeito à determinação do poder do estranhamento sobre o conjunto das alienações ou exteriorizações humanas. As exteriorizações aparecem no interior do estranhamento.
[3] Cf. ANTUNES, C. S. Trabalho, Alienação e emancipação: a educação em Mészáros (2010). Campinas: Biblioteca Digital da UNICAMP. www.bibliotecadigital.unicamp.br
[4] Cf. MÉSZÁROS, I. A educação para além do capital. (2005). São Paulo: Boitempo.
Referências
ANTUNES, C. S. Trabalho,
Alienação e emancipação: a educação em Mészáros. (2010). Campinas:
Biblioteca Digital da UNICAMP. www.bibliotecadigital.unicamp.br
BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G. Dicionário de política. (2000).
Brasília: Editora Universidade de Brasília; São Paulo: Imprensa Oficial do
Estado de São Paulo.
BOTTOMORE, T. Dicionário
do pensamento marxista. (1997). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.
GIUDICI, E. Alienacion,
marxismo y trabajo intelectual. (1974). Buenos Aires: Editorial Crisis.
HOUAISS, A.; VILLAR, M. de S.; FRANCO, F. M. de M. Dicionário Houaiss da língua portuguesa.
(2001). Rio de Janeiro: Objetiva.
LALANDE, A. Vocabulário
Técnico y crítico de La Filosofia. (1966). Buenos Aires: Libreria ‘El
Ateneo’ Editorial.
MARX, K. Manuscritos
econômico-filosóficos. (2004). São Paulo: Boitempo Editorial.
MÉSZÁROS, I. A
educação para além do capital. (2005). São Paulo: Boitempo.
OUTHWAITE, W. & BOTTOMORE, T. Dicionário do pensamento social do século XX.
(1996). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.
RANIERI, J. Apresentação. In: MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos.
(2004). São Paulo: Boitempo Editorial, pp. 11-17.
SÁNCHEZ VÁZQUEZ, A. Filosofia da práxis. (1968). Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra.
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